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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Meditação no combate à violência?


Reduzir a violência não exige a atuação de policiais com o dedo no gatilho. Técnicas de meditação podem baixar consideravelmente os índices de crimes e de outras formas de conflito

Revista Planeta, Editora Três, Edição 431
Por Eduardo Araia


Violência é um tema tão onipresente no noticiário mundial que dificilmente se consegue ficar à margem dele. No Brasil, por exemplo, são raras as pessoas que não passaram ou não conhecem quem passou por uma experiência do gênero. Como o problema atinge proporções planetárias, talvez seja recomendável revisitar alguns conceitos propostos há cerca de 40 anos por Maharishi Mahesh Yogi. Para quem não se lembra, esse controvertido guru indiano, que morreu em fevereiro, aos 91 anos, ficou mundialmente famoso por criar a meditação transcendental e associar - interesseiramente, diria John Lennon - sua imagem à dos Beatles, de quem foi instrutor espiritual por um curto espaço de tempo.

Maharishi declarou nos anos 1960 que se 1% da população mundial praticasse sua forma de meditação, as guerras desapareceriam da face da Terra. Como naquela época não havia meditadores suficientes para testar essa afirmação, a idéia pareceu mais uma bravata. Por volta de 1974, porém, mais de 250 mil norte-americanos já praticavam a meditação transcendental, e em muitas pequenas cidades o número de adeptos atingia 1% da população local. Foi a senha para o início dos estudos.

O primeiro deles foi realizado em dezembro de 1974. Os pesquisadores mediram indicadores da qualidade de vida em quatro das cidades que se encaixavam no perfil delineado pelo guru. Foram reunidos índices como estatísticas de crimes, taxas de acidentes e admissões em hospitais, comparados em seguida com os de outras quatro cidades que serviram como controle. Os números mostraram diferenças significativas: as taxas de crimes caíram nas cidades com 1% de meditadores e subiram nas outras (a tendência observada nos Estados Unidos como um todo).

O estudo foi então ampliado para 11 cidades com 1% de meditadores e 11 cidades-controle. As primeiras tiveram índices de crime 16,6% menores do que as últimas. Nova ampliação, com 48 cidades de cada lado, mostrou resultados semelhantes, abordados no estudo "The Transcendental Meditation Program and Crime Rate Change in a Sample of Forty- Eight Cities", publicado no Journal of Crime and Justice (Vol. IV, 1981). Os números obtidos foram considerados a evidência de um "Efeito Maharishi" sobre a violência.

A partir daí, a pesquisa se diversificou, sempre procurando conservar o rigor científico. Segundo o físico quântico John Hagelin, presidente da Universidade Central Maharishi, em Fairfield (Estado de Iowa), um dos estudos mais interessantes nesse aspecto foi desenvolvido em 1983, durante o auge da guerra entre Líbano e Israel. "Descobrimos que nos dias em que o grupo de meditadores teve o máximo de participantes (e também no dia seguinte a eles), os níveis de conflito tiveram redução de cerca de 80%", afirmou Hagelin numa palestra realizada em 2007 para o Instituto de Ciências Noéticas (Ions, na sigla em inglês). "Isso se tornou um efeito estatisticamente significativo e surpreendente, porque havia apenas entre 600 e 800 pessoas meditando no meio desse conflito inteiro e da altamente estressada população circundante."

EM SUA EDIÇÃO de dezembro de 1988, o Journal of Conflict Resolution da Universidade Yale publicou esses resultados e uma carta na qual convocava outras instituições, colaboradores e grupos a replicar o estudo. A sugestão foi aceita, e nos 821 dias seguintes sete experimentos foram conduzidos, com grupos baseados em Israel, no próprio Líbano e em países do Oriente Médio, da Europa e de outras partes do mundo. Mais uma vez, os resultados chamaram a atenção dos estudiosos: quedas de 71% no número de mortos na guerra, de 68% nos casos de feridos e de 48% no nível geral de conflito, enquanto a cooperação entre os antagonistas aumentou em 66%.

Cada um dos grupos ia agregando cada vez mais meditadores e, quando chegava ao limite previamente calculado para produzir o efeito desejado, ocorria uma sensível redução da violência. Estudos anteriores já haviam mostrado, aliás, que, para se obter um efeito repetível e demonstravelmente mensurável em relação à violência, não era necessária nem mesmo uma quantidade de meditadores correspondente a 1% da população; bastava o equivalente à raiz quadrada desse número.

Hagelin salientou um dado curioso observado: as pessoas instaladas na vizinhança geográfica dos grupos também apresentaram mudanças, tal como se elas também estivessem meditando. Esses indivíduos registraram aumento na coerência em eletroencefalograma (um sofisticado método de análise quantitativa que fornece evidências sobre a microestrutura do cérebro, sua fiação e seus circuitos), redução de cortisol no plasma e níveis mais elevados de serotonina no sangue, além de alterações bioquímicas e neurofisiológicas. "Quando juntamos todos esses estudos", afirmou Hagelin, "a possibilidade de que as reduções dos índices de violência observadas representassem simplesmente uma coincidência - um feliz acaso estatístico - foi de menos de um em 10 milhões de milhões de milhões (1019)".

Em 1993, Hagelin e os pesquisadores ligados à Universidade Maharishi tiveram a oportunidade de testar a afirmação do guru indiano numa grande cidade com índices preocupantes de violência: Washington, a capital norte-americana. Estudos anteriores mostraram que, durante um período de seis meses em que a temperatura subia na cidade, os níveis de criminalidade também se elevavam - um fenômeno explicado pelo fato de as pessoas ficarem mais tempo nas ruas, agitadas e irritadiças. Um grupo de meditadores foi criado no início do semestre observado e gradativamente ampliado, até atingir 2.500 membros - o número previsto para conseguir o efeito positivo desejado, equivalente a algo em torno de 0,17% da população da capital (no final, o grupo chegou a 4 mil praticantes). Nesse momento, registrou- se uma queda expressiva nos índices de crimes, mesmo levando-se em conta todos os fatores que poderiam interferir nisso, como a meteorologia, fins de semana e feriados.

Segundo Hagelin, o trabalho foi desenvolvido com a polícia de Washington, o FBI e 24 cientistas sociais e criminologistas ligados a instituições como as universidades Temple, do Texas e de Maryland. "Previmos uma queda de 20% no índice de crimes e conseguimos 25%", conta o físico. Entre os surpreendidos com o resultado estava o chefe de polícia de Washington, que, antes do estudo, dissera à televisão algo como 'precisam cair uns 30 centímetros de neve em junho (mês quente em Washington - N. da R.) para reduzir o índice de crimes em 20%'. No fim, seu departamento dobrou- se às evidências e assinou como co-autor uma monografia a respeito do caso ("Effects of Group Practice of the Transcendental Meditation Program on Preventing Violent Crime in Washington, D.C.: Results of the National Demonstration Project, June-July 1993", na edição de junho-julho de 1999 da revista Social Indicators Research).

Já existem mais de 60 experiências nas quais um número pequeno de pessoas, usando a meditação transcendental, conseguiu influenciar cidades e até países a reduzir sua violência. Como se explica isso? Hagelin arrisca uma resposta baseada na física quântica. Segundo ele, o fenômeno está ligado à vanguardista Teoria das Supercordas (que representaria a unificação das quatro forças fundamentais da natureza: a gravitação, o eletromagnetismo e as interações forte e fraca). Ela coloca um único e universal campo de inteligência na base de todas as formas e fenômenos conhecidos do universo.

"Experiências regulares do campo unificado relacionadas à técnica de meditação transcendental têm mostrado que dissolvem condições arraigadas de estresse no indivíduo, acarretando reduções marcantes em hipertensão, derrame cerebral, problemas do coração e outras doenças ligadas ao estresse", afirma Hagelin. "Quando praticado coletivamente em grupos, esse mesmo programa tem registrado uma redução efetiva do estresse e das tensões sociais."

Ele explica que, segundo a física, o acesso e o estímulo ao campo unificado promovido pelos grupos de meditadores da paz criam poderosas ondas de unidade e coerência que permeiam a consciência coletiva da população. O resultado imediato disso é uma sensível redução dos índices de crimes e de violência social, além do aprimoramento de tendências positivas entre a sociedade.

"Felizmente, esses benefícios do programa de meditação transcendental vêm natural e automaticamente, e não requerem crença ou compreensão intelectual de sua mecânica", ressaltou Hagelin na palestra no Ions. "É tão simples quanto acionar um interruptor e apreciar a luz. Um grupo de meditação alivia o estresse social agudo e cria calma e coerência em toda a população."

O cientista vê fenômeno da meditação aplicada à violência uma evidência de uma nova ramificação da física, ligada ao pensamento, que propicia mecanismos adicionais para interações de longo alcance entre as pessoas. "Ela sugere que vivemos num espaço predominantemente plano, cruzado por atalhos que oferecem rotas de comunicação instantânea através de vastas distâncias, e até para o passado ou para o futuro", afirma. "Se assumimos que em nosso nível essencial de ser estamos todos intimamente conectados em um campo unificado no qual somos todos um, tornase muito fácil entender como influenciamos uns aos outros. Quando contatamos esse campo unificado do ser, estimulamos aquela unidade, aquela harmonia e aquela coerência na consciência coletiva da sociedade. E, ao fazer isso, todo mundo parece fluir mais harmoniosamente junto."

Maharishi e seus adeptos mostraram uma trilha promissora no combate à violência. Cabe agora a outros estudiosos e voluntários alargála, verificando, por exemplo, se os mesmos resultados podem ser obtidos usando-se outras formas de meditação. Lugares para testar essas hipóteses não faltam - e a expectativa de retorno certamente vale o investimento.

domingo, 17 de dezembro de 2023

Meditação: ecologia do espírito



Saúde é o silêncio dos órgãos.

Iluminação é o silêncio da mente.

A saúde do espírito é a iluminação, o êxtase.

Meditação é um estado da mente.

Ou da não-mente.

Concentração é a técnica para alcançá-lo.

Postura é a forma física para atingi-lo.

Concentração e postura são as duas faces, mental e física, da moeda meditativa.

Meditação é clareza, iluminação, êxtase, silêncio.

Definir meditação não é meditação.

Paz sem limites, êxtase incomensurável, terror místico do eu.

Palavras.

Meditar vai além das palavras. A voz do silêncio. A flor de Kashyapa.

O escrito não pode ser meditação, é no máximo uma definição sobre, uma tentativa intelectual de ampliar limites conceituais, aproximando-se sem nunca chegar ao real. O dedo apontando para a Lua.

A postura firme do lótus, a clareza tranqüila do lago são metáforas naturais da meditação.

Sentar em lótus, contemplar o lago quase nunca tranqüilo da mente, observar os pensamentos ondulantes, estar ciente do fluxo da respiração: eis uma técnica para o kensho.

Orar não é meditar. Entoar mantrans não é meditar. Visualizar mandalas não é meditar. Resolver koans também não.

Essas são técnicas, ferramentas de concentração.

Meditar é um estado onde se processa o fim do diálogo interno.

Como eu posso conversar incessantemente comigo mesmo?

Ao conversar comigo mesmo não sou um, sou muitos.

Ao conversar comigo mesmo em voz alta dirão: - Louco!

Ao conversar comigo mesmo mentalmente encubro a loucura.

A loucura é uma doença da mente.

A maioria de nós padece dessa doença e por isso não a percebemos como tal. Tornou-se lugar comum. Normal. Assim o doente considera-se são. Os valores se invertem. Não nos tocamos dessa inversão, eventualmente? São acessos de cura, lampejos de saúde, insights da alma que ainda resiste.

Estamos a tanto tempo doentes que nos esquecemos de nossa condição de natural saúde.

O eu, eu e mais eu é a doença da mente.

Meditação é a cura.

Gaia Ciência. Nietzche nos fala da recuperação da saúde e Buda aponta para a Terra como sua testemunha. Gaia Ciência.

Curar-se é nos tornarmos aquilo que somos: Budas. Humanos. Condutos do Espírito.

Quem em mim conversa, discute, pensa comigo?

Se assim é como posso estar em paz?

Meditar é transcender esse pensar de eu, eu e mais eu.

Então me torno um:

Concentração.

Então me torno nenhum:

Meditação.

Nesse vazio há plenitude.

Nisso consiste o caminho.

Quem conhecendo a meta buscará algo fora dela?

Nossa natureza, nossa essência é essa mesma iluminação.

Estamos distantes de nós mesmos. Sem paz, desconhecendo a nós mesmos.

Se não temos paz em nossa mente como vamos ter paz em nosso mundo?

O exterior reflete o interior.

E apesar de todas as nossas palavras, de toda a nossa cultura, ainda não sabemos a resposta:

Quem sou eu?

Meditação é a resposta não discursiva a essa questão, é a revelação de nossa natureza.

Nossa natureza não é diversa da Natureza. Somos parte daquilo que acreditamos ilusoriamente ser externo a nós mesmos. Vencer essa ilusão dual é um passo no caminho da meditação.

O caminho da meditação, então, pode ser definido como uma ecologia do espírito, pois restabelecemos o equilíbrio natural com nós mesmos.

Assim, ao descobrirmos quem somos nós entenderemos, de fato, o seguinte koan, variante zen do axioma gnóstico.

Um discípulo perguntou ao seu mestre Zen:

"Como posso fazer com que as montanhas, os rios e a grande Terra me beneficiem?"

Respondeu o mestre:

"Vós deveis beneficiar as montanhas, os rios e a grande Terra."

Koan: A mente Zen é a nutrição da Terra. A mente da Terra é a nossa nutrição.

D.R.
05/02/08

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

O Guardião - uma história sobre a espreita de si


No Judaísmo existe uma escola rebelde de mistério chamada Hassidismo. Seu fundador, Baal Shem, era um ser estranho. A meia-noite voltava do rio. Essa era sua rotina, porque no rio, de noite, havia uma calma e uma quietude absolutas. Sentava-se ali, sem fazer nada – apenas observando o seu próprio ser; observando o observador. Essa noite, quando voltava, passou pela casa de um homem rico e o vigilante estava de pé em frente à porta. O vigilante estava intrigado porque a cada noite, exatamente a mesma hora, voltava esse homem. Saiu e disse:

- Perdoe-me a interrupção, porém já não posso conter minha curiosidade. Uma pergunta me persegue dia e noite. O que fazes? Para que vais ao rio? O segui muitas vezes e não há nada; a única coisa que fazes é sentar-se ali horas e horas, e depois voltas à meia-noite.

Baal Shem respondeu:

- Já sei que me seguistes várias vezes, porque a noite é tão silenciosa que pude ouvir teus passos. E sei que todos os dias te escondes atrás do portão. Porém não apenas sentis curiosidade por mim, eu também sinto curiosidade por ti. O que fazes?” O guardião contestou:

- A que me dedico? Sou um simples vigilante.

Então Baal Shem lhe disse:

- Deus meu, me falastes a palavra chave. Minha ocupação é essa também.

O guardião disse:

- Porém não entendo; se és um vigilante terias que estar vigiando alguma casa, algum palácio. Que estás vigiando sentado na areia do rio?

Baal Shem respondeu:

- Existe uma pequena diferença: você vigia que nada de fora entre no palácio; eu simplesmente vigio a este vigilante. Quem é esse vigilante. Esse é o esforço de toda a minha vida; vigio a mim mesmo.

O guardião lhe disse:

- Porém esse é um trabalho muito raro! Quem lhe vai pagar?

E ele respondeu:

- A felicidade é tanta, o gozo é tão grande, é uma benção tão imensa que é uma recompensa em si mesma. Apenas um momento e todas as riquezas do mundo não são nada em comparação.

O vigilante disse:

- Isso é muito raro... eu passei a vida vigiando e jamais topei com uma experiência tão formosa. Amanhã à noite vou acompanhar-te, quero que me ensines, porque eu sei como vigiar, porém, me parece que faço isso numa certa direção e você olha para uma direção diferente.

Osho.


terça-feira, 5 de dezembro de 2023

A 2ª Joia do Dragão Amarelo: Ham Sah e o Vazio Iluminador

24 [1]. A Shakti suprema se revela quando a inspiração e a expiração nascem e morrem nos dois pontos extremos, superior e inferior. Assim, entre duas respirações, experimente o espaço infinito.

25 [2]. Entre a inspiração e a expiração, entre parar e seguir, quando a respiração fica imóvel nos dois pontos extremos, coração interno e coração externo, dois espaços vazios serão revelados a você: Bhairava e Bhairavî.

26 [3]. Com o corpo relaxado ao expirar e inalar, perca a sua mente e perceba o seu coração, o centro de energia onde a essência absoluta de Bhairava flui. 

27 [4]. Quando você inspirou ou expirou totalmente, quando o movimento da respiração para por conta própria, nessa calmaria universal, o pensamento de "eu" desaparece e a Shakti se revela.


ENERGIA VITAL ACUMULADA E TRANSMUTADA MAIS SILÊNCIO INTERIOR = ÊXTASE.

Amigos (as), faz algum tempo eu procurava por essa prática ou técnica na própria fonte onde a aprendi, em tempos idos, e que me é de muita valia. Agradeço ao Mestre Samael Aun Weor por tão valiosa técnica, pois seus efeitos meditativos e redistribuidores da energia são extremamente eficazes. É assim que a compartilho com vocês. Ela é uma técnica auxiliar no processo de transmutação de nossa energia criadora. 


A 2ª Jóia do Dragão Amarelo, por Samael Aun Weor





Faz-se urgente e improrrogável dominar a mente. Devemos dialogar com ela, recriminá-la, açoitá-la com o látego da vontade e fazê-la obedecer. Esta didática pertence à Segunda Joia do Dragão Amarelo. Meu real Ser, Samael Aun Weor, esteve reencarnado na antiga China e chamou-se Chou-Li.

Fui iniciado na Ordem do Dragão Amarelo e tenho ordens de entregar as Sete Joias do Dragão Amarelo a quem despertar a consciência, vivendo a Revolução da Dialética e conseguindo a Revolução Integral.

Antes de tudo, não devemos nos identificar com a mente, se é que queremos tirar o melhor partido da segunda joia. Se continuamos nos sentido mente, se dizemos ‘estou raciocinando, estou pensando’, estamos afirmando um despropósito e não estamos de acordo com a doutrina do Dragão Amarelo porque o Ser não precisa pensar e não precisa raciocinar. Quem raciocina é a mente

O Ser é o Ser e a razão de ser do Ser é o próprio Ser. 

Ele é o que é, o que sempre foi e o que sempre será. O Ser é a vida que palpita em cada sol. O que pensa não é o Ser. Quem raciocina não é o Ser. Nós não temos encarnado todo o Ser, mas temos uma parte do Ser encarnada, que é a Essência, ou budhatta, isso que há de alma em nós, o anímico, o material psíquico. É necessário que esta essência vivente se imponha sobre a mente. Aquilo que analisa em nós são os eus. 

Os eus nada mais são do que formas da mente, formas mentais que têm de ser desintegradas e reduzidas a poeira cósmica. 

Estudemos neste momento algo muito especial. Poderia se dar o caso de que alguém dissolvesse os eus, os eliminasse. Poderia também se dar o caso de que esse alguém, além de dissolver os eus, fabricasse um corpo mental. Obviamente, teria adquirido individualidade intelectual. Mas teria que se libertar até mesmo desse corpo mental, porque por mais perfeito que ele fosse, também raciocinaria, também pensaria, 

e a forma mais elevada de pensar é não pensar. 

Quando pensamos, não estamos na forma mais elevada de pensar. O Ser não precisa pensar. Ele é o que sempre foi e o que sempre será. 

Assim, em síntese, temos de submeter a mente, interrogá-la... 

Não precisamos submeter as mentes alheias porque isso é magia negra

Não precisamos dominar a mente de ninguém porque isso é bruxaria da pior espécie. O que precisamos é submeter a nossa própria mente, dominá-la... Durante a meditação, repito, surgem duas partes: a que está atenta e a que está desatenta.

Precisamos nos tornar conscientes do que há de desatento em nós. Ao nos fazermos conscientes, poderemos evidenciar que o desatento tem muitos fatores. Dúvida, há muitas dúvidas. São muitas as dúvidas que existem na mente humana. De onde vêm essas dúvidas?

É urgente compreender a fundo as técnicas da meditação. Hoje explicaremos sobre o Vazio Iluminador. Ao iniciar este tema me vejo obrigado a narrar por mim mesmo e de forma direta, o que sobre o tema eu pude verificar diretamente. 

Creio que os que escutem esta fita, estão informados sobre a maravilhosa Lei da Reencarnação, pois é ela o fundamento do seguinte relato: Quando a Segunda Sub-Raça de nossa atual grande Raça Ária florescia, na China antiga, eu estava reencarnado ali, então me chamava Chou-Li. Obviamente, fui membro da dinastia Chou. E naquela existência, eu era membro ativo da ordem do Dragão Amarelo, é e claro que em tal ordem pude aprender claramente a ciência da meditação. Todavia vem a minha memória aquele instrumento maravilhoso denominado Aya Atapán, que tem 49 notas. Bem sabemos que é a sagrada lei do eterno Heptaparaparshinock, ou seja, a Lei do Sete. Indubitavelmente, sete são as notas da escala musical, mas se multiplicamos o sete por sete, obteremos quarenta e nove notas colocadas em sete oitavas. Os irmãos nos reuníamos na sala de meditação, juntávamos nossas pernas, nos sentávamos em estilo oriental, com as pernas cruzadas, colocávamos as palmas das mãos de tal forma que a direita caía sobre a esquerda, sentávamos em círculo no centro da sala, cerrávamos os olhos e em seguida colocávamos muita atenção na música que certo irmão tocava no cosmo e em nós. Quando o artista fazia vibrar a primeira nota, estava em Dó. Todos nos concentrávamos. Quando fazia vibrar a seguinte nota, em Ré, a concentração se fazia mais profunda, lutávamos com os diversos elementos subjetivos que em nosso interior carregávamos; podíamos recriminá-los, podíamos ver a necessidade de guardar um silêncio absoluto, não está demais recordar a vocês, queridos irmãos, que os elementos indesejáveis, constituem o ego, o eu, o mim mesmo, são um todo de entidades diversas, personificando erros. Quando vibrava a nota Mi, penetrávamos em nossa terceira zona do subconsciente e nos enfrentávamos com a multiplicidade, pois, destes diversos agregados psíquicos, que em desordem brigam dentro de nosso interior, que impedem a quietude e o silêncio da mente, nos recriminávamos, tratávamos de compreende-los, quando o conseguíamos penetrávamos um pouco mais fundo, em lá nota Fá. É óbvio que novas lutas nos esperam com tal nota. Amordaçar a todos esses demônios do desejo que nos levamos dentro, não é tão fácil, obrigar-lhes a guardar silêncio e quietude não é coisa fácil, mas com paciência nos lográvamos, e assim prosseguíamos com cada um das notas da escala musical, em um oitava mais elevada, prosseguíamos com o mesmo esforço e assim pouco a pouco, enfrentando-nos aos diversos elementos inumanos que em nosso interior carregamos, lográvamos por fim amordaça-los a todos nos quarenta e nove níveis do subconsciente e então a mente ficava quieta e é no mais profundo silêncio. Este era o instante em que a Essência, a alma, o mais pura que dentro temos, se escapava, para experimentar real, assim penetrávamos no Vazio Iluminador. Assim o Vazio Iluminador havia irrompido em nós; movíamos no Vazio Iluminador lográvamos conhecer as Leis da natureza em si mesmas, tal qual são e não como aparentemente são. Neste mundo tridimensional de Euclides, só se conhece causas e efeitos mecânicos, mas não as Leis Naturais em si mesmas; mas no Vazio Iluminador elas são ante nos como realmente são, podíamos perceber este estado com a consciência, com os sentidos superlativos do Ser, as coisas em si; no mundo dos fenômenos físicos somente percebemos a realidade da aparência das coisas, ângulos, superfícies, mas nunca um corpo inteiro, de forma integral. Assim o pouco que percebemos se esfumaça, não podia perceber que quantidade de átomos, por exemplo, tem uma mesa ou uma sala, etc., mas no Vazio Iluminador percebemos as coisas em si, tal qual são integralmente, no momento que nos achamos assim submergidos dentro do grande Vazio Iluminador podemos escutar a voz do Pai que está em secreto

Indubitavelmente neste estado nos achamos no que poderia denominar arrebatamento, o êxtase, a personalidade cai num estado passivo, sentada lá na sala de meditação. Os centros emocional e motor se integram com o centro intelectual formando um todo único receptivo, de maneira que as ondas de tudo aquilo que vivenciamos do Vazio, circulando pelo Cordão de Prata, eram recebidas pelos três centros: intelectual, emocional e motor. Repito: quando o Shamadi concluía, regressávamos ao interior do corpo, conservando a recordação de tudo aquilo que havíamos visto e ouvido. 

Sem perda de tempo, quero lhes dizer, o primeiro que há de deixar para poder submergir-se, por muito tempo, no Vazio Iluminador é o medo, o eu do temor deve ser compreendido, já sabemos que sua desintegração se faz possível suplicando a Divina Mãe Kundalini, em forma veemente, ela eliminará tal eu. 

Um dia qualquer, não importa qual, estando-me no Vazio Iluminador, mais além da personalidade, do eu, e da individualidade, submergido nisso que poderíamos chamar o “Tao” senti que era tudo o que é, tem sido e será, experimentei a unidade da vida, livre de seu movimento: então era a flor, era o rio que corre cristalino, entre seu leito de rocha, cantando em sua linguagem deliciosa, era o ar, que se precipita nos fundos insondáveis, era o peixe que navega deliciosamente entra as águas, era a lua, era os mundos, era tudo o que é, tem sido e será. Os sentimentos do mim mesmo, do eu, se pude deter em si, senti que me aniquilava, que deixava de existir como indivíduo, que era tudo menos um indivíduo, o mim mesmo tendia a morrer para sempre. Obviamente me lembro do indizível terror eu voltei a forma. 

Novos esforços me permitiram então a irrompimento do Vazio Iluminador, outra vez eu voltei a sentir-me confundido com tudo, uma pessoa como eu, como indivíduo, havia deixado de existir. Este estado de consciência se fazia cada vez mais e mais profundo, de tal forma que qualquer possibilidade para a existência se acabava, para a existência individual, sentia definitivamente que irá a desaparecer; não pude resistir mais, voltei a forma; num terceiro intento tampouco o pude resistir, voltei a forma; desde então sei que para experimentar o Vazio Iluminador e para sentir o Tao, em si mesmo se necessita eliminar o eu do temor, isso é indubitável. 

Entre os irmãos da ordem sagrada do Dragão Amarelo, o que mais se distinguia foi meu amigo Chang, ele vive nesses planetas do Cristo, onde a natureza não é perecedora e jamais muda, pois há duas naturezas, a perecedora e cambiante, mutável, e a imperecedora, que jamais muda, e esta é imutável. Nos Planetas do Cristo existe a natureza eterna, imperecedora e imutável. Ela vive em unidade com esses Mundos do Senhor, o Cristo resplandece nela. Se liberar tem várias idades, meu amigo Chang vive ali naquele distante planeta com um grupo de irmãos que como ele também se liberaram. Conheci então os Sete Segredos da Ordem do Dragão Amarelo. Quisera ensinar-vos, porém com grande dor me dói quando os irmãos de todas as latitudes não estão preparados para poder recebê-las, e isto é lamentável; também sei que olho por olho não é possível utilizar os 49 sons do Aya Atapán, porque esse instrumento musical já não existe, muitas involuções desse instrumento existem, porém são diferentes, não têm as sete oitavas. Involuções desse instrumento são todos os instrumentos de corda, como o violino, a guitarra, e também o piano. Assim, é possível chegar à experiência do Vazio Iluminador.

Um sistema prático e simples que todos os irmãos podem praticar. Vou ditar-lhes agora mesmo a técnica, ponham atenção: Sentem-se no estilo oriental, com as pernas cruzadas, mas sem serem obrigados porque sois ocidentais. Esta posição resulta para vocês muito cansativa, então sentais comodamente num cômodo confortável no estilo ocidental, colocando a palma da mão esquerda aberta, a direita sobre a esquerda, quero dizer o dorso da palma da mão direita sobre a palma da mão esquerda, relaxem o corpo o máximo possível e logo inalem profundamente, muito devagar , ao inalar imaginem que a energia criadora sobe pelos canais espermáticos até o cérebro, exale curto e rápido, ao inalar pronunciem o mantra HAAAAAMMMM, ao exalar pronunciem o mantra SAAHH. Indubitavelmente, inala-se pelo nariz, se exala pela boca; ao inalar há de se mantralizar a sílaba sagrada HAAMM, mentalmente pois se está inalando pelo nariz, mas ao exalar-se poderá articular a sílaba SAAAHHH em forma sonora; Ham se escrevem com as letras H-A-M. Sah se escreve com as letras S-A-H... A inalação se faz lenta; a exalação, curta e rápida. Motivos: Obviamente a energia criadora flui em todo sujeito desde dentro para fora, quer dizer , de maneira centrífuga; mas nós devemos inverter esta ordem com fim de superação espiritual; deve nossa energia fluir de forma centrípeta, quero dizer, de fora para dentro. Indubitavelmente se inalamos devagar, lento, fluirá a energia criadora de forma centrípeta, de fora para dentro. Se exalarmos curto e rápido, então se fará cada vez mais centrípeta esta energia. Durante a prática não se deve pensar absolutamente em nada, os olhos devem estar cerrados profundamente, só vibrará em nossa mente o HAAAMMM, SAAAHHH e nada mais. À medida que se pratique a inalação, se vai fazendo mais longa e a exalação muito curta e rápida. 

Grandes Mestres da Meditação chegam a tornar a respiração pura inalação, então a colocam em suspensão; impossível isto para os indivíduos, porém real para os místicos e em tal estado o Mestre participa do Nirvi-Kalpa-Shamadi, ou no Maha-Shamadi, vem o irrompimento do Vazio Iluminador, se precipitam nesse grande vazio, onde nada vive e onde somente se escuta a palavra do Pai que está em secreto. Com esta prática se consegue o irrompimento do Vazio Iluminador, na condição de não pensar em absolutamente em nada, não deve admitir na mente nenhum pensamento, nenhum desejo, nenhuma recordação, a mente ficar completamente quieta por dentro, por fora e no centro.

Qualquer pensamento, por insignificante que seja, é óbice para o Shamadi, para isto em si mesmo, esta ciência da meditação, combinada com a respiração produz efeitos extraordinários.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Vipashyana - Meditação sobre a Vacuidade, por Sangye Khadro


Todos os ensinamentos buddhistas têm o objetivo de nos conduzir gradualmente à realização da vacuidade. Aqui, "vacuidade" significa a vacuidade de existência inerente, concreta, e a erradicação total em nossa mente deste falso modo de ver as coisas marca nosso atingimento da iluminação, do estado búddhico.

O que é "vacuidade de existência inerente"? Em termos práticos, o que isso significa? A assim-chamada "existência inerente" — da qual todos as coisas são ditas como sendo vazias — é uma qualidade que projetamos instintivamente sobre cada pessoa e coisa que experienciamos. Nós vemos as coisas como total e solidamente existentes em e por si mesmas, por sua própria parte, com sua própria natureza, bem independentes de qualquer outra coisa e condição, ou de nossa própria mente que as experiencia.

Pegue uma mesa, por exemplo. Vemos uma mesa sólida, independente, lá, tão obviamente uma mesa que até mesmo questioná-la parece ridículo. Mas onde está a mesa? Onde a sua "mesidade" está localizada? É uma de suas pernas? Ou é o seu topo? É uma de suas partes? Ou mesmo um de seus átomos? Quando ela passou a ser uma mesa? Quantas partes você deve tirar antes de ela deixar de ser uma mesa?

Se você investigar totalmente, descobrirá que simplesmente não pode encontrar a mesa que pensa estar lá. Há, entretanto, uma mesa interdependente, que muda de momento a momento, não-inerente, mas não é isto que vemos. Este é o X do problema. Nós não experienciamos a realidade nua de cada coisa e de cada pessoa, mas sim uma imagem exagerada da realidade, cheia, projetada pela nossa mente. Este erro marca cada uma de nossas experiências mentais, é bem instintivo e é a própria raiz de todos os nossos problemas.

A penetrante desordem mental começa com a apreensão errônea de nosso próprio "eu". Nós somos compostos pelo corpo — uma massa de carne, ossos e pelo — e pela mente — um fluxo de pensamentos, sentimentos e percepções. O composto é convencionalmente conhecido como "Maria", "João", "mulher", "homem". É uma aliança temporária que termina com a morte do corpo e com o fluir da mente para outras experiências.

Estes fatos rígidos, não-embelezados, podem ser inquietantes. Uma parte de nós, o ego, desejando segurança e imortalidade, inventa um "eu" inerente, independente, permanente. Não é um processo deliberado, consciente, mas ele toma lugar nas profundezas de nossa mente subconsciente.

O "eu" fantasiado aparece de maneira especialmente forte nas horas de stress, excitamento ou medo. Por exemplo, quando nós escapamos por pouco de um acidente, há um poderoso senso de um "eu" que quase sofreu morte ou dor, e que deve ser protegido. Esse "eu" não existe, é uma alucinação. Nossa aderência a este falso "eu" — conhecida como a ignorância do auto-apego — macula todas as nossas relações com o mundo. Nós somos atraídos por pessoas, lugares e situações que gratificam e mantém nossa auto-imagem, e reagiremos com medo ou animosidade a tudo que a ameace. Nós vemos todas as pessoas e coisas como definitivamente deste modo ou daquele. Assim esta raiz, o auto-apego, ramifica-se em apego, inveja, ódio, arrogância, depressão e na miríade de outros estados mentais turbulentos e infelizes.

A solução final é eliminar esta ignorância raiz com a sabedoria que realiza, em tudo o que experienciamos, a vacuidade das falsas qualidades que projetamos sobre eles. Esta é a transformação última da mente.

A vacuidade soa bem abstrata, mas de fato é muito prática e relevante para nossas vidas. O primeiro passo para entendê-la é tentar ter uma ideia do que pensamos existir; localizar, por exemplo, o "eu" em que acreditamos tão fortemente, usando o raciocínio claro na meditação analítica, ver que ele é uma mera fabricação, que é algo que nunca existiu e nem mesmo poderia existir.

Mas não exagere! Você definitivamente existe! Há um "eu" convencional, interdependente, que experiencia a felicidade e o sofrimento, que trabalha, estuda, dorme, medita e se torna iluminado. A primeira e mais difícil tarefa é distinguir entre este "eu" válido e o fabricado; geralmente nós não podemos distingui-los. Na concentração da meditação, é possível ver a diferença, reconhecer o "eu" ilusório e erradicar nossa crença habitual nele. A meditação aqui é um primeiro passo prático nessa direção.

A prática

Comece com uma meditação sobre a respiração para relaxar e acalmar sua mente. Motive-se fortemente para fazer esta meditação com o objetivo de se tornar se iluminado pelo benefício de todos os seres.

Agora, alerta como um espião, vagarosa e cuidadosamente torne-se consciente do "eu". Quem ou o quê está pensando, sentindo e meditando? Como parece que ele veio à existência? Como ele aparece para você? O seu "eu" é uma criação de sua mente? Ou é algo que existe concreta e independentemente em seu próprio direito?

Se você acha que pode identificá-lo, tente localizá-lo. Onde está o "eu"? Está na sua cabeça... nos seus olhos... no seu coração... nas suas mãos... no seu estômago... nos seus pés? Considere cuidadosamente cada parte do seu corpo, incluindo os órgãos, vasos sanguíneos e nervos. Você pode encontrar seu "eu"? Ele pode ser bem pequeno e sutil, então considere as células, os átomos, as partes dos átomos.

Depois de considerar o corpo inteiro, novamente pergunte a si mesmo como o seu "eu" manifesta sua existência aparente. Ele ainda parece ser vívido e concreto? O seu corpo é o "eu" ou não?

Talvez você pense que sua mente é o "eu". A mente é um fluxo constantemente mutante de pensamentos, de sentimentos e de outras experiências, indo e vindo em rápida alternação. Qual destes é o "eu"? É um pensamento amoroso... um pensamento furioso... um sentimento feliz... um sentimento deprimido? O seu "eu" é a mente que medita... a mente que sonha? Você pode encontrar o "eu" em sua mente?

Há qualquer outro lugar para se procurar o "eu"? Ele poderia existir em algum outro lugar ou de outro modo? Examine toda possibilidade que puder pensar.

Novamente, olhe para o modo pelo qual o seu "eu" realmente aparece, para você, como você o sente. Depois desta busca pelo "eu", você percebe alguma mudança? Você ainda acredita que ele é sólido e real como você sentia antes? Ele ainda parece existir independentemente, em e por si mesmo? Em seguida, desintegre mentalmente o seu corpo. Imagine todos os átomos se separando e flutuando. Bilhões e bilhões de partículas diminutas se espalham pelo espaço. Imagine que você realmente pode ver isto.

Agora, desintegre sua mente. Deixe flutuar cada pensamento, sentimento, sensação e percepção. Permaneça nesta experiência de espaço sem ser distraído pelos pensamentos. Quando voltar o sentimento de um "eu" independente, inerente, analise-o novamente. Ele existe no corpo? Na mente? Como ele existe?

Não faça o erro de pensar, "Meu corpo não é o 'eu' e minha mente não é o 'eu', portanto, eu não existo". Você existe, mas não do modo que intrinsecamente sente, como se fosse independente e inerente. De modo convencional, o seu "eu" existe em dependência da mente e do corpo, e esta combinação é a base para a qual o pensamento conceitual atribui um nome: "eu" ou "self" ou "Maria" ou "João". Este é o "você" que está sentado, meditando e se surpreendendo com o pensamento de que "Talvez eu não exista!"

Tudo o que existe é necessariamente dependente de causas e condições, ou de partes e nomes, por exemplo. É assim que as coisas existem convencionalmente, e entender a interdependência é a principal causa para entender a natureza última de uma coisa, sua vacuidade. A natureza convencional de algo é sua dependência de causas condições, e sua natureza última é a sua vacuidade de existência inerente, interdependente.

Pense agora sobre como o seu corpo existe convencionalmente, em dependência de pele, sangue, ossos, pernas, braços, órgãos e assim por diante. Por sua vez, cada uma dessas coisas existe em dependência de suas próprias partes: células, átomos e partículas sub-atômicas.

Pense sobre a sua mente, como ela existe em dependência de pensamentos, sentimentos, percepções, sensações. E como, por sua vez, cada uma destas existe em dependência de experiências de consciência anteriores, que deram surgimento a eles.

Agora, volte ao seu sentimento de um "self" ou "eu". Pense sobre como você existe convencionalmente, em dependência do corpo-e-mente do nome — as partes do "eu".

Quando o corpo sente fome ou frio, por exemplo, você pensa, "Eu estou como fome", "Eu estou com frio". Quando a mente tem uma ideia sobre algo, você diz, "Eu penso". Quando você sente amor por alguém, você diz, "Eu te amo". Quando você se apresenta a alguém, você diz, "Eu sou fulano". Separado deste senso de um "eu" que depende dos fluxos sempre mutantes do corpo e da mente, há um "eu" sólido, imutável e independente?

A mera ausência desse "eu" inerentemente existe é a vacuidade do "self".

Termine a sessão com uma conclusão de como você, o seu "eu", existe. Conclua dedicando sinceramente qualquer energia positiva e insight que tenha obtido à iluminação de todos os seres. Pense que esta acumulação é apenas um passo ao longo do caminho para finalmente alcançar o insight direto na vacuidade, e assim cortar a raiz do sofrimento e da insatisfação.

(McDonald, Kathleen. How to Meditate: A Practical Guide.

Editado por Robina Courtin. Ithaca: Snow Lion, 1998. Pág. 58-62.)


Vendo a Vacuidade Diretamente, por Geshe Lobsang Chunzi - Michael Roach



Nos ensinamentos budistas, ouvimos bastante sobre o Nirvana, mas como podemos saber exatamente o que ele é e como atingi-lo? A palavra tibetana para Nirvana significa "ir além do sofrimento" e acontece quando você elimina inteiramente todos os pensamentos ruins, ou aflições mentais, de seu fluxo mental. Você só pode fazer isso de um modo, utilizando as realizações obtidas no caminho da visão. Certas coisas acontecem nessa hora — no período imediatamente anterior, durante e logo depois da percepção direta da vacuidade¹.

De acordo com o budismo, sua mente é sem início. Qualquer ponto na história passada de sua mente que você possa apontar deve ter sido produzido por um instante de mente no momento anterior a esse. Você não pode encontrar um ponto de partida para a sua mente porque isto leva a mente a criar a mente. Gostaria de dizer que você pode pensar que sua mente é como um longo talharim de espaguete que nunca teve um começo e que nunca terá um fim.

Suas vidas passadas são infinitas e suas vidas futuras são numeradas até você se tornar um Buda. Então você terminará o processo de renascimento, mas sua mente ainda vai para sempre. Em todo o talharim de espaguete do tempo infinito de sua mente, você vê a vacuidade pela primeira vez. Até você vir a vacuidade diretamente, você é um ser comum, que sofre. E então, se você tiver visto a vacuidade diretamente, você é chamado Arya². A palavra Arya significa superior, um tipo totalmente exaltado de ser, completamente diferente de um ser comum.

Quero falar sobre os momentos finais, pouco antes de você alcançar o caminho da visão. No caminho da preparação, que é o caminho número dois dos cinco caminhos, você está obtendo uma compreensão intelectual da vacuidade em preparação para ver a vacuidade diretamente. Há um estágio muito importante do caminho da preparação, chamado chöchog. Chö significa dharma, ou coisa, e chog significa "absoluto" ou "supremo". Chöchog refere-se ao último momento de uma pessoa que ainda é um ser comum.

Gostaria de descrever o que acontece no chöchog. Primeiro, você deve ter estado sob um curso espiritual de estudo durante algum tempo. Sua mente foi preparada. Nesta vida você encontrou um verdadeiro guia espiritual. Você o serviu e então obteve, karmicamente, exatamente o que precisava dele. É assim que funciona, é um dar e receber. Você tem servido-os com tudo o que poderia dá-los, principalmente devoção. E eles têm ensinado-o.

Você atravessa um curso em três estágios. 

  • O primeiro é a sabedoria que você obteve de um ser, em muitas horas de estudo na sala de aula com o seu lama. 
  • O segundo estágio é a contemplação, pensar sobre ela, trabalhar sobre ela em sua própria mente. A sabedoria que vem da contemplação cresce a partir dos estudos. 
  • O estágio final é a sabedoria da meditação, e esta por sua vez cresce a partir da sabedoria da contemplação.

Um dia, algo em sua compreensão intelectual engatilha o chöchog. Geralmente, é um assunto que chamamos chi e jedrag. Chi significa qualidade, como por exemplo um carro. Este é um ponto que não posso explicar muito. Você tem apenas de pensar. É algo que vem de sua parte. Jedrag significa característica, Chevrolet por exemplo. E você tem de pensar sobre o relacionamento entre o que chamamos de "carro" e o que chamamos de "Chevrolet". Se você tem um "Chevrolet", você tem um "carro".

Há quatro tipos de chi. O primeiro não é tão relevante e os últimos três são realmente relevantes. Um é o rigchi. Rig significa tipo ou classe, e chi aqui se refere à qualidade. Carro é um exemplo de rigchi. Um rigchi é uma qualidade com um monte de coisas que são características dessa qualidade. No caso do carro, pode ser Chevrolet, Ford ou Toyota. Estes são chamados jedrag — exemplos de um tipo geral. Então rigchi significa um tipo geral ou, mais corretamente, se você pensar sobre isso cuidadosamente, uma qualidade.

Então há o drachi. Dra significa som ou nome. Chi significa geral e o que isto se refere. Suponha que você nunca tenha estado em Paris. Você nunca experienciou a Torre Eiffel diretamente. E eu digo, "Torre Eiffel". No instante em que digo isso, um tipo de imagem forma-se em sua mente. Isso é o drachi, um chi ou imagem mental baseada apenas no nome de algo.

Então nós tempos o dünchi. Dün significa significado, mas aqui significa o objeto em si, em oposição ao nome do objeto. Esta é a coisa real, ou a Torre Eiffel em si que você vê quando está de pé bem na frente dela. Isso é dün. Chi significa uma imagem mental. Aqui o chi mais importante, o crucial, é o dünchi: uma imagem mental de um objeto real.

Vou dar a você um possível cenário. Você tem realmente estudado duro, tem realmente feito um bom Guru Yoga nesta vida — e, de fato, durante muitas vidas — e está diante do fogão preparando uma xícara de chá para o seu lama, por exemplo. É de manhã, digamos, oito horas. Você colocou a água em um bule de alumínio sobre o fogão.

Você tem estudado o chi e o jedrag, e tem realmente pensado e meditado bastante sobre isso. Você está lá de pé e subitamente compreende que não está olhando para um bule; você está olhando para uma imagem mental de um bule. Por toda a sua vida você pensou que estava olhando para um bule e subitamente, sob a influência de todos estes fatores — de servir ao lama, de estudar duro, de rezar pelas bênçãos dos lamas —, subitamente isto acontece. Você compreende que não está olhando para um bule e que nunca esteve olhando para um bule. Você está olhando para um dünchi do bule.

Você compreende que a única coisa que realmente viu de um bule foram alguns poucos vestígios³ de sua parte frontal. Você vê um brilho prateado do lado direito, você vê uma pequena ponta curva do lado esquerdo, você vê esse negócio preto e reto saindo do lado. Talvez você não veja mais do que quatro ou cinco vestígios³. Você definitivamente nunca viu a parte de trás do bule. Sua mente está criando a imagem de um bule. Sua mente, devido à circunstâncias anteriores, devido a milhões de anos de karma, está vendo-o com um bule.

Você acabou de perceber a verdade da originação dependente, de que cada objeto em sua experiência normal é uma realidade enganosa. Esteve ao seu redor o tempo todo. Você nunca viu um outro tipo de objeto, exceto as coisas que são a realidade enganosa. Esse é o seu mundo todo, essas projeções (ou descrições). E você esteve acreditando nelas. Então isso é o chöchog. Esse é um estágio muito, muito importante.

Você termina de fazer o chá e vai ao templo fazer suas meditações matinais. Você se senta em uma boa postura e entra em profunda meditação. Estamos vivendo no reino do desejo mas, neste ponto, sua meditação prossegue tão profundamente que a sua mente entra no primeiro nível de samadhi, que corresponde a algo no reino da forma. Então sua mente está uma área totalmente diferente do universo. Esta é a única plataforma da qual você vê a vacuidade diretamente.

Você deve ter meditado regularmente para chegar nesse ponto, digamos uma a duas horas por dia, todo dia, e sem incluir o tempo gasto para você ficar pronto, o tempo gasto pensando sobre seu o café da manhã e sobre fazer os potes de oferenda de água; isso não conta. Se você não tem praticado meditação de maneira muito regular, de uma a duas horas por dia, você não pode alcançar esta plataforma. Se você nunca alcançar esta plataforma, é completamente impossível que você veja a vacuidade diretamente.

Esse estado é uma meditação muito, muito profunda, onde, especificamente, nenhum dos cinco objetos dos sentidos pode aparecer para você nesse momento. Então, devido à influência de todas estas outras coisas — estudo, contemplação, meditação, treinamento nas escrituras, bom ensinamento de um lama verdadeiro, servir o lama, obter a bênção do lama, obter a bênção de muitos lamas durante toda a sua vida —, você vai para a percepção direta da vacuidade.

Como é isto? Quando tempo dura? Talvez dure de quinze a vinte minutos na primeira vez. Nessa hora, você não pode fazer qualquer distinção entre você e o que você está vendo, entre o sujeito e o objeto. É impossível. O sujeito é a realidade enganosa, o que chamamos realidade convencional. E o objeto é a realidade última. Nesse momento você não pode ver qualquer coisa que não seja a realidade última. A única coisa que se apresenta para a sua consciência mental — e todas as outras cinco são fechadas — é a vacuidade pura, a realidade última. Nada mais está aparecendo para a sua mente nesse momento.

Isso é o que a não-dualidade realmente significa. Não significa que, de algum modo, todos os sujeitos e objetos no mundo são o mesmo. Não haveria qualquer atingimento em borrar a distinção entre sujeito e objeto tomando heroína ou alguma outra coisa deste gênero. Os sujeitos e objetos são totalmente separados. Ver a vacuidade não é o processo de se deixar ser fundido no mundo ou alguma coisa assim.

Em um sentido, não-dualidade significa que durante a percepção direta da vacuidade você não pode estar consciente da distinção entre sujeito e objeto simplesmente porque um deles não é a realidade última. Não é a vacuidade, é você, e você não é a vacuidade. O segundo significado da vacuidade é que, em um sentido, todos os objetos e todos os sujeitos são totalmente iguais no que são vazios, eles nunca foram outra coisa exceto as suas projeções ("a colher não existe" - Matrix). Isso pode ser dito sobre qualquer mente subjetiva e pode ser dito sobre cada objeto no universo.


Durante a experiência você não está consciente da passagem do tempo porque isso não é vacuidade; isso é um objeto relativo (é como se não houvesse tempo, aliás, a própria dor física desaparece, pois o corpo dolorido da postura meditativa sustentada por muito tempo também não é a vacuidade, já que a dor e o corpo são projeções). Você está lá e está em pura consciência direta da vacuidade, e isso é tudo. Então a percepção direta da vacuidade acaba. Esse estado de mente que você teve durante esses quinze ou vinte minutos é chamado nyamshag yeshe, o conhecimento da meditação profunda. Essa é a primeira metade do caminho da visão.

Nada mais há que qualquer um possa dizer sobre isso. É isso que eles querem dizer quando afirmam que a vacuidade é indescritível. Você não pode descrevê-la em termos de algo físico. É sem cor, sem forma, clara, invisível a outros olhos. E isso é tudo que você pode dizer sobre ela. Então você tem a sensação de descer dessa meditação e entrar em um estado chamado jetob yeshe, o conhecimento que se obtém logo depois de ver a vacuidade diretamente. Esta é a segunda metade do caminho da visão. Durante este período, que dura pelo resto do dia, você tem dúzias de importantes realizações espirituais que nunca teria tido sem ver a vacuidade diretamente.

Essas experiências e realizações podem ser agrupadas em quatro partes. Estas podem ser chamadas de quatro verdades Arya, significando quatro grupos de coisas que alguém que acabou de se tornar um Arya agora compreende diretamente como sendo verdadeiros. Você pode agrupar todas as realizações que teve durante aproximadamente as doze horas seguintes em uma destas quatro verdades Arya. Estas são coisas que apenas um Arya, uma pessoa que viu a vacuidade, pode compreender diretamente.

O primeiro grupo é a verdade Arya do sofrimento. Depois da sua primeira percepção direta da vacuidade, você compreende verdadeiramente o que o sofrimento é, pela primeira vez. Você compreende quanto sofrimento há. Esta caneta é sofrimento. Seu corpo é sofrimento. Os Estados Unidos são sofrimento. Praticamente cada pensamento é sofrimento. Todos os seus relacionamentos são sofrimento, a menos que sejam especialmente espirituais. O Arya vê a verdadeira extensão do sofrimento pela primeira vez.

A segunda verdade é a fonte do sofrimento, de onde todo este sofrimento veio. Basicamente, qualquer coisa que é sofrimento também é uma fonte de sofrimento. Esta caneta é sofrimento e esta caneta também é a fonte do sofrimento. Sua cabeça é ambos, sua mente é ambos, seus ouvidos são ambos.

Então vem a verdade do fim do sofrimento. Esse novo Arya vê o fim do sofrimento diretamente. Eles ainda não o alcançaram, mas pelo menos podem vê-lo. Eles sabem quando o fim do sofrimento virá e sabem como isso será.

A quarta é a verdade do caminho. Este novo Arya compreende perfeitamente a verdade do caminho, exatamente o que ele precisa fazer para se livrar do sofrimento. Ele percebe a verdade do caminho diretamente.

Estas são algumas realizações específicas que caem sob estas quatro categorias. Algumas delas ocorrem depois da sua experiência direta da vacuidade, algumas enquanto você ainda está sentado em meditação, e algumas delas ocorrem depois, enquanto você está andando por aí. 

Os Aryas têm uma experiência direta de sua morte vindoura e eles agem sobre isso pelo resto de suas vidas. Eles não perdem tempo. Eles sabem que vão morrer. Eles veem a própria morte diretamente.

Durante a maioria das dez ou doze horas seguintes, você pode ler a mente dos outros pela primeira vez. Você percebe o samsara na mente de outra pessoa diretamente. Até esse ponto, você nunca realmente soube o que a mente de outra pessoa está pensando. Mas neste dia, você poder ler as mentes das outras pessoas, e você está completamente consciente do sofrimento que eles estão suportando.

Por exemplo, você pode estar com um negociante de carros, tentando vender um carro rapidamente porque você precisa de dinheiro nesse dia em particular. Você oferece a ele um carro vermelho, muito bonito, que talvez custe três mil dólares. Para o negociante, você parece distante por causa do que estava acontecendo e ele decide em sua mente que pode tirar proveito de você. Você pode ler os pensamentos dele, sabe que está para mentir para você, e então ele mente para você. Ele diz, "Este carro custa dois mil dólares e eu vou dar a você dois mil dólares por ele." Você pode ler estes pensamentos na mente dele. Você está completamente consciente da desordem e da agonia da mente samsárica da outra pessoa. Você pode ver isso.

Prosseguindo na causa do sofrimento — a principal causa é a ignorância. Neste dia, pela primeira vez, vindo dessa percepção, você compreende que esta foi a primeira percepção correta que teve. Em um minuto temos centenas de percepções. Cada uma delas, por toda a extensão de sua vida, foi errônea.

Uma outra verdade relativa à verdade da causa do sofrimento que você compreende nesse dia é que você nunca se encarregou de uma ação sem egoísmo. Não é o mesmo apego à auto-existência, mas esse apego a causa. Um resultado necessário de nosso apego é que você fica preocupado apenas com você mesmo. Um ser humano normal não pode fazer um verdadeiro ato de caridade. Mesmo que faça bons atos, você estará constantemente infectado pelo pensamento, "O que há nisto para mim? Como eu olho para as pessoas? Eles estão conscientes da boa ação que estou fazendo?" Esta é a condição humana e nesse dia, nesse momento, ela é deprimente.

Uma subcategoria desta verdade específica é que você nunca se engaja em um relacionamento no samsara a menos que esteja obtendo algo dele. Não somos capazes de ser não-egoístas em nossos relacionamentos. Uma pessoa no samsara não se engajará num relacionamento a menos que esteja tirando proveito de algum modo. Estou descrevendo a nossa condição comum; todos nós a temos. É um fato deprimente que você compreende no dia em que percebe a vacuidade diretamente.

Aqui está parte boa. Acho que esta deve ser a experiência mais agradável do dia inteiro. Se você estiver na trilha do bodhisattva, um praticante Mahayana, você percebe diretamente que se tornará um Buddha, e você percebe exatamente quantas vidas isso demorará. É comum que se leve mais sete vidas para se alcançar a iluminação depois de ter visto a vacuidade diretamente.

Durante estas sete vidas, você nunca terá qualquer grande problema novamente. Você sempre estará confortável. Você sempre estará entre as pessoas do mundo que, nesse planeta e nesse momento, têm o lazer para estudar o Dharma. Você sempre estará cercado de bons professores, bons pais. Você sempre irá a uma boa escola. Sua vida parecerá um encanto. Tudo será basicamente correto. Você ainda tem de envelhecer e morrer nestas vidas. Mas a vida em que você vir a vacuidade diretamente será, como um todo, bem agradável. Você percebe isso diretamente.

Em nossa situação atual, se não tivermos visto a vacuidade diretamente, não poderemos provar nem mesmo a existência de um Buddha. 

Vendo a vacuidade nesse dia, você terá visto o Dharmakaya do Buddha, e você saberá que encontrou um Buddha. 

(DHARMAKAYA é a manifestação da verdade em forma absoluta, para além da necessidade de discriminação em conceitos. Representa a verdade que está além da forma e da ideia. Corresponde à mente de Buda. Sambhogakaya: é a manifestação da forma pura e perceptível aos grandes praticantes.)

A experiência nesse momento é algo como o que você sempre pensou ser — antes de se tornar buddhista — um encontro com Deus. É um tipo de energia imensa, clara, poderosa, e você a contata diretamente. Você agora confirmou a existência de um Buddha. Você encontrou o Buddha e sabe que encontrou o Buddha.

Nesse momento você compreende diretamente o que são os corpos físicos do Buddha. Agora as pinturas e estátuas são algo bem diferente para você. Você compreende que eles representam o que você viu e eles tomam um significado totalmente diferente. É a expressão física do Dharmakaya. Alguém, em algum lugar, viu Tara e a pintaram. É assim que ela realmente se parecia. E então alguém viu a imagem e a copiou, e outro a copiou. Definitivamente, se você voltar para trás, alguém viu Tara. Alguém teve a experiência da expressão do Dharmakaya. Então as imagens estão representando o mais elevado objeto do universo. Você não pôde realmente apreciar um pintura de um Buddha até esse dia.

Você compreende o significado da prostração. Você compreende que se tivesse chocado com o Dharmakaya, a reação imediata e natural a essa experiência seria se prostrar no chão. Você realmente compreende a prostração pela primeira vez.

No primeiro instante, no primeiro microssegundo da percepção direta da vacuidade, três coisas já aconteceram. Você entrou no caminho da visão, você se tornou um Arya e, se tiver Bodhichitta, você alcançou o primeiro estágio do Bodhisattva. Durante os minutos seguintes dessa experiência, você tem uma experiência direta e poderosa da bodhichitta real.

É quase como uma sensação física de algum tipo de amor e cuidado pelos outros seres, vindo do seu coração como um rio, como uma luz clara. Você sabe que passará o resto de sua vida servindo os seres sencientes; você está certo disso. Você sabe o que tem de fazer para servi-los e sabe que sempre o fará desse momento em diante.

Você pode pensar que, nos anos seguintes a essa experiência, poderia começar a duvidar do que aconteceu. Mas há uma certa percepção inegável, uma percepção absoluta e puramente correta que você tem durante o jetob yeshe, o que acabou de acontecer com você foi absolutamente verdadeiro. O que aconteceu com você foi puramente verdadeiro.

O que acontece então é um tipo de interesse. Você tem uma realização direta e inegável de que cada página das escrituras buddhistas, dos estágios do caminho e de todos os outros livros, é total e absolutamente verdadeira, e de que este caminho é o caminho verdadeiro. Não estou sendo sectarista; estou apenas falando de uma experiência real que você pode confirmar por si mesmo. Você pode seguir este caminho e terá absolutamente os mesmos resultados, e todos estes eventos acontecerão com você. Isso é absolutamente verdadeiro.

Então você adquire um tipo de mania de proteger os livros de budhismo. Eles não devem desaparecer deste mundo. Eles são a perdida vacina secreta para as aflições mentais. Você sabe que deve devotar suas vidas para assegurar que estes livros e ensinamentos conectados a eles nunca sejam perdidos no mundo. Eles são todos absolutamente verdadeiros. E eles são realmente o único caminho que leva para fora do sofrimento.

Você compreende nessa hora o significado do diamante como uma metáfora para a vacuidade. Um diamante é a única coisa próxima do que você viu. Se você tiver um carro e nenhum outro dinheiro, você pode pegá-lo, vendê-lo a alguém, comprar um diamante e oferecê-lo no templo, em algum lugar onde ninguém possa encontrá-lo, e não importaria se ninguém soubesse disso.

O que acontece depois desse dia? O que você suporia fazer durante estas sete vidas? O quarto caminho é chamado habituação. Significa acostumar-se a algo. O quarto caminho é usar o que você viu e realizou, durante aproximadamente sete vidas e meia, para limpar o resto de suas aflições mentais. Demora tudo isso para se acostumar totalmente com o que aconteceu e utilizar esse conhecimento em sua vida cotidiana para parar suas aflições mentais. A essência disso é o processo do que acontece em sua vida diária, como quando o seu chefe grita com você, e você usa a percepção da vacuidade para superar suas reações automáticas. Fazendo isto, você pode quebrar o ciclo do samsara.

As condições para a prática Dharma serão absolutamente perfeitas para as próximas sete vidas

Como uma criança, você não lembra do que aconteceu, mas logo você já estará entendendo estas coisas. É como nas histórias da vida de Je Tsongkhapa, por exemplo. Eu não diria quatro anos de idade, mas talvez dez ou quinze. Se você se livrar de suas aflições mentais, então você alcança o Nirvana, e se você continuar, você alcança a iluminação. Esse é o processo do que acontece após você perceber a vacuidade diretamente. No dia em que você usá-la, na hora em que você vê-la, seu futuro torna-se previsível. Você está definitivamente no caminho para fora. Dentro de um quantidade fixa de tempo, você se tornará um Buddha.

Uma vez que você tenha visto a vacuidade diretamente, alguém poderá perguntá-lo se as coisas existem do modo como ele as vê. Você teria de dizer absolutamente não. Você ainda as vê como auto-existentes? Absolutamente não, pois isso é um estado mental esquizofrênico. A partir do momento em que você sai da percepção direta da vacuidade, você sabe que o que os outros estão vendo é errado. Mas você não acredita nisso. Você sabe que as percepções deles são distorcidas.

Você também sabe que não pode pará-las bem agora. E, de fato, quando você parar a tendência inerente de se apegar às coisas como auto-existentes, como não sendo apenas as suas projeções, você alcançará o Nirvana. Essa é a última aflição mental que você tem de superar. Cada um, até mesmo os animais, têm a tendência inerente de ver as coisas como auto-existentes. No quarto caminho, o caminho da habituação, você ainda está vendo as coisas como auto-existentes, mas você sabe que está errado e não acredita mais em si mesmo.

Isso é o que significa quando os budistas dizem que as coisas são uma ilusão. Esse é o único significado da ilusão. Não significa que as coisas não existem. Especialmente não significa que os atos bons e ruins são uma ilusão, que o sofrimento e o paraíso são uma ilusão e que então eu posso fazer qualquer coisa que quiser. Significa que, como as coisas são uma ilusão, eu devo ser bom. Esse é o único modo pelo qual você alcançará o Nirvana. O dia em que você for capaz de usar os entendimentos — obtidos depois de ver a vacuidade — para superar a última das suas aflições mentais será o dia em que você alcançará o Nirvana — e esta é de fato a definição tradicional de Nirvana.

Geshe Lobsang Chünzin 

Notas

¹ Vacuidade, interdependência e unidade são os fundamentos do Budismo. Vacuidade: nada existe por si. Interdependência: tudo existe em relação a. Unidade: tudo é Um. O Um é o único existente. Não pode ser definido, é Nada e Nada é. Quando no filme Matrix um monge menino entrega para Neo uma colher, ele diz: "- A colher não existe". Não temos aqui um ensinamento sobre a vacuidade?

² Termo sânscrito para “Ser Superior”. Alguém que tem uma realização direta, ou não- conceitual, da vacuidade. Pode ser um hinayana ou um mahayana.

³ Ver apêndice do livro O Presente da Águia, de Carlos Castaneda, em particular a segunda proposição explicativa intitulada: 'A atenção é o que nos faz perceber os comandos da Águia como vestígios'. Segue breve extrato: "Explicou que para a primeira atenção lidar com os comandos da Águia ela tem de ser treinada a mover-se instantaneamente por todo um espectro das emanações da Águia, do qual não toma conhecimento evidente, a fim de alcançar as “unidades perceptíveis” que todos nós aprendemos a aceitar como perceptíveis. Essa realização da nossa primeira atenção é conhecida pelos observadores como “vestígio” porque engloba a capacidade de afastar as emanações supérfluas e escolher as emanações a serem enfatizadas".

⁴ O supremo bom coração, neste contexto, é a bodhichitta. Bodhi significa iluminação, em sânscrito, e chitta, mente; portanto, o sentido literal do termo “bodhichitta” é “mente de iluminação”.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Sobre o silêncio interior: coletânea de diferentes textos.

O Ponto Crítico

(Lado Ativo do Infinito - Carlos Castaneda)

Don Juan definiu o silêncio interior como um estado particular de ser onde os pensamentos são eliminados e a pessoa então age a partir de um nível diferente daquele da percepção do dia-a-dia. Ele enfatizou que o silêncio interior significa o cancelamento do diálogo interno – o companheiro perene dos pensamentos – e que desse modo era um estado de profunda quietude.

"Os feiticeiros antigos," disse don Juan, "chamavam de silêncio interior a esse estado porque é um estado onde a percepção não depende dos sentidos. O que funciona durante o silêncio interior é uma outra faculdade que o homem possui, a faculdade que faz dele um ser mágico, a mesma faculdade que foi suprimida, não pelo próprio homem, mas por uma espécie de influência externa."

"Que influência externa é essa que suprimiu a faculdade mágica do homem?" perguntei.

"Esse é um tópico para futura explanação," replicou don Juan, "não está sendo objeto de nossa presente discussão, embora ele seja na verdade o aspecto mais sério da feitiçaria dos xamãs do México antigo.

"O silêncio interior," continuou ele, "é a plataforma da qual tudo o mais é projetado pela feitiçaria. Em outras palavras, tudo o que fazemos nos conduz a essa plataforma, que, como tudo o mais no mundo dos feiticeiros, não revela a si mesmo a menos que algo gigantesco nos sacuda."

Don Juan disse que os feiticeiros do México antigo arquitetaram um sem número de caminhos para sacudi-los, a si mesmos ou a outros praticantes de feitiçaria, dos pés à cabeça com a finalidade de conduzi-los ao cobiçado estado de silêncio interior. Consideravam que os atos mais disparatados, que pareciam não ter nada a ver com a busca do silêncio interior, tais como, por exemplo, pular de cachoeiras ou passar a noite dependurado de cabeça para baixo do ramo mais alto de uma árvore, eram pontos chave que despertavam-no.

Seguindo as bases racionais dos feiticeiros do México antigo, don Juan afirmava categoricamente que o silêncio interior era algo acumulável, algo que pode ser desenvolvido aos poucos. No meu caso, ele esforçou-se para guiar-me no sentido de construir um núcleo de silêncio interior em mim mesmo, e depois adicionar a ele, minuto a minuto, novas porções pela prática em cada momento oportuno. Ele explicou que os feiticeiros do México antigo descobriram que cada indivíduo tem um limiar diferente de silêncio interior em termos de tempo, isso significando que o silêncio interior deve ser mantido por cada um de nós por um período de tempo correspondente ao seu limiar particular antes que possa funcionar.

"Qual é o sinal que indica que o silêncio interior esteja funcionando, don Juan?" perguntei.

"O silêncio interior começa a funcionar a partir do momento em que começa a ser acumulado," replicou ele. "O que os antigos feiticeiros buscavam era o resultado final, dramático, definitivo de se atingir o limiar individual do silêncio. Alguns praticantes muito talentosos necessitam apenas de alguns minutos de silêncio para atingir o cobiçado gol. Outros, menos talentosos, necessitam de longos períodos de silêncio, talvez mais de uma hora de quietude completa, antes de atingir o fim desejado. O resultado desejado é o que os feiticeiros chamam de parar o mundo, momento em que tudo ao nosso redor deixa de ser o que sempre foi.

"Esse é o momento em que os feiticeiros retornam à verdadeira natureza do homem," continuou don Juan. "Os feiticeiros também chamavam-no de liberdade total. Ele é o momento em que o homem escravo transforma-se no homem livre, capaz de feitos de percepção que desafiam nossa imaginação linear."

Don Juan assegurou-me que o silêncio interior é a avenida que conduz à verdadeira suspensão do julgamento – a um momento em que os dados sensoriais emanados do universo ao largo cessam de ser interpretados pelos nossos sentidos; um momento em que a cognição cessa de ser a força com a qual, através do uso e repetição, é tecida a natureza do mundo.

"Os feiticeiros necessitam de um ponto crítico para ajustar o funcionamento do silêncio interior," disse don Juan. "O ponto crítico é como a massa que o pedreiro coloca entre os tijolos. Só quando a massa seca é que os tijolos soltos transformam-se numa estrutura."

Desde o início de nossa associação, don Juan inculcou em mim o valor, a necessidade do silêncio interior. Eu fiz o melhor possível para seguir suas sugestões para acumular o silêncio interior, segundo por segundo. Eu não tinha nem modo de medir o efeito dessa acumulação e nem tive nenhum meio de julgar se atingi ou não qualquer limiar. Eu apenas aspirava evasivamente (o termo mais adequado aqui seria intensamente, e não evasivamente) acumular o silêncio interior, não apenas para satisfazer don Juan mas porque o ato de o acumular tornou-se um desafio em si mesmo.

Um dia, eu e don Juan passeávamos despreocupadamente pela praça principal de Hermossilo. Era no início de uma tarde de um dia nublado. O ar estava quente e seco e realmente muito agradável. Havia grande número de pessoas passeando pelo local. A praça possuía lojas ao seu redor. Eu havia estado em Hermossilo muitas vezes, e mesmo assim nunca notara a existências das lojas. Sabia que elas ali estavam, mas a sua presença não era algo que eu conscientemente percebia. Eu não teria condições de desenhar um mapa da praça mesmo se minha vida dependesse disso. Naquele dia, enquanto andava com don Juan, tentava localizar e identificar as lojas. Procurava alguma coisa para usar como artifício mnemônico que iria ativar minha lembrança no caso de necessidade futura.

"Como já disse para você muitas vezes anteriormente," disse don Juan, sacudindo-me para fora de minha concentração, "cada feiticeiro que conheço, homem ou mulher, cedo ou tarde atinge um ponto crítico em sua vida."

"Você quer dizer que eles sofrem um colapso mental, ou algo parecido?" perguntei.

"Não, não," disse ele, rindo. "Colapsos mentais ocorrem nas pessoas auto indulgentes. Os feiticeiros não são pessoas. O que eu quero dizer é que em dado momento a continuidade de suas vidas tem que ser quebrada para que o silêncio interior possa ser instalado, tornando-se uma parte ativa de suas estruturas.

"É importante, muito importante," continuou don Juan, "que você mesmo atinja deliberadamente o ponto crítico, ou que você o crie artificial e inteligentemente."

"O que você quer dizer com isso, don Juan?" perguntei, fisgado pelo seu raciocínio intrigante.

"Seu ponto crítico," disse ele, "é interromper sua vida como você a conhece. Você fez tudo o que eu disse para você fazer, zelosa e acuradamente. Se você é talentoso, nunca o demonstrou. Esse parece ser o seu estilo. Você não é vagaroso, mas age como se fosse. Você é muito seguro de si mesmo, mas age como se fosse inseguro. Você não é tímido e mesmo assim age com se temesse as pessoas. Tudo o que você faz aponta para uma mesma direção: você necessita acabar com tudo isso, impiedosamente."

"Mas de que modo, don Juan? O que você tem em mente?" perguntei, genuinamente agitado.

"Penso que tudo se resume numa coisa," disse ele. "Você deve deixar seus amigos. Deve despedir-se deles, para sempre. Não é possível você continuar no caminho do guerreiro carregando sua história pessoal com você, e a menos que você interrompa seu modo de vida, não terei condições de continuar com a minha instrução."

"E agora, don Juan?" disse eu. "Tenho que colocar os pés no chão. Você está pedindo um preço muito alto. Para ser franco, acho que não posso pagá-lo. Meus amigos são minha família, meu ponto de referência."

"Exatamente, exatamente," afirmou ele. "Eles são o seu ponto de referência. Por isso, eles têm que sair de sua vida. Os feiticeiros têm apenas um ponto de referência: o infinito."

"Mas como você quer que eu proceda, don Juan?" perguntei com uma voz queixosa. Seu pedido estava fazendo-me subir pelas paredes.

"Você deve simplesmente sair," disse ele tranquilamente. "Saia de qualquer modo que conseguir."

"Mas para aonde irei?" perguntei.

"Minha recomendação é que você alugue um quarto num desses hotéis de terceira categoria que você conhece," disse ele. "Quanto pior a aparência do mesmo, melhor. Se o quarto tiver tapetes verdes estragados, cortinas verdes estragadas, e paredes verdes estragadas, será então muitíssimo melhor – um lugar comparável àquele hotel que uma vez mostrei para você em LA."

Ri nervosamente ao lembrar-me da ocasião em que estive dando uma volta de carro com don Juan no setor industrial de LA, onde havia apenas depósitos e hotéis dilapidados para as pessoas em trânsito. Um hotel em particular chamou a atenção de don Juan por causa de seu nome bombástico: Eduardo Sétimo. Paramos por um momento na rua para apreciá-lo.

"Aquele hotel lá," disse don Juan, apontando para ele, "é para mim a representação verdadeira da vida na Terra para o homem comum. Se você tivesse sorte ou se fosse implacável, você alugaria um quarto com vista para a rua, onde você veria este desfile interminável da miséria humana. Se não tivesse tal sorte ou se não for tão implacável, você alugaria um quarto dos fundos, com vista para o prédio ao lado. Pense em passar a vida dividido entre essas duas vistas, tendo inveja da vista da rua se seu quarto for nos fundos, e com inveja da vista do prédio ao lado, se seu quarto for de frente, cansado de tanto olhar para fora."

A metáfora de don Juan aborreceu-me imensuravelmente, pois calou fundo em mim.

Agora, com a perspectiva de ter que alugar um quarto num hotel comparável ao Eduardo Sétimo, eu não sabia o que dizer ou para aonde ir.

"O que você quer que faça lá, don Juan?" perguntei.

"Um feiticeiro usa um lugar como esse para morrer," disse ele, olhando para mim sem piscar uma só vez. "Você nunca esteve sozinho em sua vida. Agora está na hora. Você ficará naquele quarto até morrer."

Sua exigência assustou-me, mas ao mesmo tempo, fez-me rir.

"Não é que eu vá fazer isso, don Juan," disse eu, "mas qual seria o critério para saber que morri? – a menos que você queira que eu morra de fato, fisicamente."

"Não," disse ele, "não quero que seu corpo morra fisicamente. Quero que sua pessoa morra. Essas duas coisas são muito diferentes. Em essência, sua pessoa tem muito pouco a ver com seu corpo. Sua pessoa é sua mente, e acredite-me, a sua mente não é sua."

"Que disparate é esse, don Juan, que minha mente não é minha?" ouvi a mim mesmo dizer com um acento nervoso em minha voz.

"Algum dia irei falar com você sobre isso," disse ele, "mas não enquanto você tiver seus amigos como amortecedores.

"O critério que indica que um feiticeiro está morto," continuou ele, "é o fato de não fazer nenhuma diferença para ele estar sozinho ou ter companhia. O dia em que você não cobiçar a companhia de seus amigos, que você usa com anteparos, esse será o dia em que sua pessoa morreu. O que você me diz? Você topa?"

"Eu não posso fazer isso, don Juan," disse eu. "É inútil tentar mentir para você. Eu não posso deixar meus amigos."

"Está tudo bem," disse ele imperturbável. O que eu disse pareceu não ter lhe afetado nenhum pouco. "Eu não terei mais condições de conversar com você, mas podemos dizer que durante o tempo em que passamos juntos, você aprendeu bastante. Você aprendeu coisas que farão de você uma pessoa muito forte, independentemente de você voltar ou extraviar-se."

Ele bateu em minhas costas e disse-me adeus. Deu meia volta e simplesmente desapareceu no meio das pessoas que estavam na praça, como se tivesse diluído-se entre elas. Por um instante eu tive a estranha sensação de que as pessoas na praça eram como uma cortina que ele tinha aberto e desaparecido depois atrás dela. O final chegou, como tudo no mundo de don Juan: rápida e imprevisivelmente. De repente, aquilo estava comigo, eu estava à sua mercê, sem que eu nem mesmo soubesse como aconteceu.

Eu deveria sentir-me esmagado. Isso, entretanto não ocorreu. Não sabia por que estava feliz da vida. Fiquei maravilhado com a facilidade como tudo terminou. Don Juan era certamente uma pessoa elegante. Não houve nenhuma recriminação, nem raiva, nem nada parecido, nada. Entrei no carro e comecei a dirigir, feliz como uma cotovia. Eu estava excitado. Como era extraordinário o modo como tudo terminara tão depressa, pensava eu, sem nenhum trauma, sem nenhuma dor.

Minha viagem de volta para casa foi tranqüila. Em LA, estando em meu ambiente familiar, percebi que absorvera uma enorme quantidade de energia em meu último encontro com don Juan. Estava realmente muito feliz, relaxado, e retomei o que considerava ser minha vida normal com sabor renovado. Toda a minha atribulação com meus amigos, e tudo o que percebera sobre eles, tudo o que dissera a don Juan a esse respeito, tudo, tudo estava definitivamente esquecido. Era como se alguma coisa tivesse apagado tudo de minha mente. Fiquei maravilhado por duas vezes com a facilidade com que esquecera algo que fora tão significativo, e de como esse esquecimento fora tão completo.

Tudo estava como esperava. Havia apenas uma única inconsistência que perturbava o claro paradigma de minha volta à boa vida anterior: lembrava-me distintamente de ouvir don Juan dizer-me que minha partida do mundo dos feiticeiros era puramente acadêmica, e que eu voltaria. Eu lembrei-me de ter anotado cada uma das palavras de nossa conversa. De acordo com o meu modo linear de raciocinar e lembrar-me das coisas, don Juan nunca dissera tal coisa. Como seria possível que eu me lembrasse de coisas que nunca aconteceram? Eu ponderei sobre aquilo sem conseguir esclarecer nada. Minha pseudo lembrança era bastante estranha para que eu pudesse levá-la a sério, mas então decidi que não mais iria pensar no assunto. No que me dizia respeito, estava fora do ambiente de don Juan.

Seguindo as sugestões de don Juan com relação ao meu comportamento para com as pessoas que de algum modo me favoreceram, eu cheguei a uma conclusão que para mim era tremenda: honrar e agradecer meus amigos antes que fosse tarde demais. Um caso específico era o meu amigo Rodrigo Cummings. Um incidente envolvendo meu amigo Rodrigo, entretanto, desmoronou meu novo paradigma do que resultou outros desmoronamentos até a destruição total.

Minha atitude para com ele mudou radicalmente quando eu consegui vencer minha competitividade para com ele. Descobri que era a coisa mais fácil do mundo para mim projetar-me cem por cento em qualquer coisa que Rodrigo fizesse. Eu era, de fato, exatamente igual a ele, mas só descobri isso depois que parei de competir com ele. A verdade então emergiu para mim com uma clareza enlouquecedora. Um dos desejos mais ardentes de Rodrigo era terminar o colégio. Cada semestre, ele matriculava-se no maior número permitido de matérias. Depois, quando o semestre avançava, ele desistia de cada uma das matérias, uma atrás da outra. Em algumas vezes ele até mesmo saía da escola. Em outras vezes, ele fazia um curso de três matérias durante todo o semestre até o final amargo.

Durante seu último semestre, ele fazia um curso de sociologia porque gostava da matéria. O exame final aproximava-se. Ele me disse que tinha três semanas para estudar, para ler o livro texto do curso. Ele pensava que tal quantidade de tempo era um desperdício para ler apenas seiscentas páginas do livro. Considerava-se uma espécie de leitor-relâmpago, e que retinha o que lia em um nível muito alto; em sua opinião, sua memória era cem por cento fotográfica.

Ele pensava que tinha muito tempo para o exame e por isso pediu-me para ajudá-lo no recondicionamento do seu carro no sentido de facilitar jogar papel fora. Queria remover a porta direita para poder jogar o papel pela abertura com a mão direita, em lugar de jogar o papel sobre a capota do carro, com a esquerda. Chamei sua atenção para o fato de que era canhoto e ele então argumentou que, entre suas múltiplas habilidades, uma delas era ser ambidestro, fato que nenhum de seus amigos notara. Tinha razão nessa parte; eu mesmo nunca notara isso. Depois que lhe ajudei a remover a porta, ele decidiu remover também o forro do teto, que estava muito estragado. Ele disse que seu carro estava em ótimas condições na parte mecânica e que iria levá-lo a Tijuana, no México, cidade que ele, como bom angelino que era, chamava de TJ, e onde trocaria o forro por alguns poucos dólares.

"Poderíamos aproveitar a viagem," disse ele alegremente. Chegou até mesmo a escolher os amigos que iriam com ele. "Em TJ, estou certo de que você irá procurar livros usados, porque é um bobo. O restante da turma irá para algum bordel. Eu conheço uma porção deles."

Gastamos uma semana para tirar o forro velho e lixar o teto para receber o novo. Rodrigo então ficou com apenas duas semanas para estudar e ainda considerava esse tempo muito longo. Ele então engajou-me em ajudá-lo a pintar seu apartamento e consertar o assoalho. Levamos uma semana para pintar o apartamento e lixar o assoalho de madeira. Em um dos quartos, ele não quis pintar sobre o papel de parede que já existia. Teria que alugar uma máquina que removia o papel pela aplicação de vapor d’água. Nem eu e nem Rodrigo, naturalmente, sabia como usar devidamente a máquina, e por isso fizemos o serviço mais porco do mundo. No final, tivemos que usar um produto chamado "Topping", uma mistura muito fina de gesso e outros produtos, que deixava a parede bastante lisa.

Depois de todo esse esforço, acabou que Rodrigo só ficou com dois dias para enfiar na cabeça as 600 páginas do livro. Ele entrou freneticamente numa maratona de leitura durante o dia e a noite, com a ajuda de anfetaminas. Rodrigo foi para a escola no dia do exame, sentou-se em sua carteira, e pegou a folha de múltipla escolha.

O que ele não conseguiu fazer foi ficar acordado para preencher a folha do exame. Seu corpo pendeu para a frente e sua cabeça bateu na carteira com um terrível baque. O exame teve que ser suspenso por um momento. O professor de sociologia ficou histérico, e o mesmo aconteceu com os alunos que estavam nas proximidades de Rodrigo. Seu corpo estava rígido e frio como gelo. A classe inteira suspeitou do pior; pensaram que ele morrera de um ataque do coração. Foram chamados paramédicos para removê-lo. Depois de um rápido exame, eles declararam que Rodrigo dormia profundamente e levaram-no para um hospital para que dormisse até passar o efeito da anfetamina.

Minha projeção em Rodrigo Cummings era tão completa que me assustou. Eu era exatamente como ele. A similitude tornou-se insustentável para mim. Num ato que considerei um aniquilamento total e suicida, aluguei um quarto num hotel dilapidado de Hollywood,

O carpete era verde e tinha manchas horríveis de cigarros queimados, que foram naturalmente esmagados com os pés antes que o carpete pegasse fogo. O quarto tinha cortinas verdes e paredes verdes em mal estado de conservação. O sinal luminoso do nome do hotel, que podia ser visto pela janela, piscava durante toda a noite.

Acabei por fazer o que don Juan recomendara, mas de maneira indireta. Eu não fiz o que fiz para atender qualquer exigência de don Juan ou com a intenção de aplainar as nossas arestas. Permaneci no hotel por meses sem fim, até que minha pessoa, como propusera don Juan, morresse, até que verdadeiramente não fizesse nenhuma diferença para mim estar só ou com amigos.

Depois de deixar o hotel, fui morar sozinho, mais perto da escola. Continuei meus estudos de antropologia, que nunca interrompera, e iniciei um negócio muito lucrativo tendo uma mulher como sócia. Tudo parecia estar perfeitamente em ordem até o dia em que fui atingido por uma percepção que pareceu como um tijolo jogado em minha cabeça: percebi que iria passar o resto de minha vida preocupando-me com meu negócio, ou preocupado com o fantasma da escolha entre ser acadêmico ou um negociante, ou preocupando-me com as fobias e embromações de minha sócia. Um verdadeiro desespero perfurava-me nas profundezas de meu ser. Pela primeira vez em minha vida, a despeito de todas as coisas que tinha feito e visto, sentia-me num beco sem saída. Estava completamente perdido. Comecei seriamente a brincar com a ideia do modo mais pragmático e indolor de dar cabo de minha vida.

Certa manhã uma batida alta e insistente acordou-me. Pensei que fosse a senhoria, e estava certo de que se não respondesse, ela teria entrado com sua chave mestra. Abri a porta, e ali estava don Juan! A minha surpresa foi tanta que fiquei tonto. Eu balbuciei e gaguejei, incapaz de dizer uma só palavra. Queria beijar sua mão, ajoelhar-me aos seus pés. Don Juan entrou e sentou-se na beira da cama tranquilamente.

"Fiz a viagem a LA," disse ele, "só para te ver."

Queria que ele tomasse café comigo, mas ele disse que tinha outras coisas para fazer, e que dispunha apenas de alguns momentos para conversar comigo. Eu contei para ele, apressadamente, a minha experiência no hotel. Sua presença causou-me tanta confusão que eu nem lembrei-me de perguntar-lhe como descobriu o meu endereço. Disse para ele que sentia um remorso intenso por ter dito as palavras que disse em Hermosillo.

"Você não tem que se desculpar," garantiu-me ele. "Cada um de nós faria a mesma coisa. Certa vez, eu mesmo deixei o mundo dos feiticeiros numa carreira desabalada, e quase que tive que morrer para perceber a estupidez do meu ato. O que importa é atingir o ponto crítico, do modo que for, e isso foi exatamente o que você fez. O silêncio interior está tornando-se real para você. Essa é a razão pela qual estou aqui na sua frente, falando com você. Entende o que quero dizer?"

Pensei ter entendido o que ele disse. Pensei que ele tivesse intuído ou lido, pelo modo com que ele lia as coisas no ar, que eu estava no fundo do poço e que ele tinha vindo para me resgatar.

"Você não tem nenhum tempo a perder," disse-me ele. "Deve dissolver a sua firma comercial dentro de uma hora, porque esse é o tempo de que disponho para esperar por você – não porque eu não possa esperar mais, mas porque o infinito está pressionando-me impiedosamente. Digamos que o infinito está dando uma hora para você anular a si mesmo. Para o infinito a única empreitada de um guerreiro que vale a pena é a liberdade. Qualquer outra é fraudulenta. Você pode dissolver tudo em uma hora?"

Não tive que assegurar-lhe que conseguiria. Sabia que tinha que conseguir. Don Juan disse-me então que uma vez realizada a tarefa, deveria encontrar-me com ele no mercado de uma certa cidade do México. Em meu esforço de pensar como terminar meu negócio, não entendi direito o que ele falou. Ele repetiu o que dissera e, é claro, pensei que estivesse brincando.

"Como irei até essa cidade, don Juan? Você quer que eu vá de carro, que tome um avião?" perguntei.

"Dissolva o seu negócio primeiro," ordenou ele, "e então a solução virá. Mas lembre-se, estarei esperando por você por apenas uma hora."

Ele saiu do apartamento, e eu esforcei-me febrilmente para dissolver tudo o que tinha. Naturalmente, gastei mais de uma hora, mas não parei para pensar nisso porque uma vez iniciada a dissolução dos meus negócios, o seu momentum levou-me de roldão. Foi somente depois de tudo terminado que o dilema real surgiu na minha frente. Senti então que falhara e que não havia nenhuma esperança para mim. Encontrava-me sem meus negócios e sem nenhuma possibilidade de ir ao encontro de don Juan.

Fui para a cama e busquei o único consolo que me veio à mente: quietude, silêncio. Para facilitar o aparecimento do silêncio interior, don Juan ensinara-me um modo de sentar-me na cama, com os joelhos dobrados e as solas dos pés juntas, as mãos empurrando os pés juntos, segurando-os pelos calcanhares. Ele dera-me uma grossa cavilha que eu sempre levava comigo para aonde fosse. Tinha cerca de 35 cm e destinava-se a suportar o peso de minha cabeça quando tombada para a frente; uma ponta ficava entre meus pés e a outra, que era almofadada, ficava no meio de minha testa. Todas as vezes que eu ficava em tal posição, caía no sono em questão de segundos.

Devo ter caído no sono com minha facilidade usual, pois sonhei que estava na cidade mexicana onde don Juan disse que me encontraria. Eu sempre ficava intrigado com essa cidade. O mercado só abria uma vez por semana, quando os fazendeiros da redondeza traziam seus produtos para serem vendidos. O que mais me fascinava nessa cidade era a estrada pavimentada que conduzia a ela. No ponto em a estrada chegava na cidade, a topografia possuía uma lombada forte. Eu sempre ficava sentado próximo de uma banca que vendia queijos e olhava para tal lombada. Via as pessoas que chegavam à cidade com seus jumentos carregados com as mercadorias, mas primeiro via apenas suas cabeças; quanto mais se aproximavam, maiores partes de seus corpos podiam ser vistas, até o momento em que atingiam a parte mais alta da lombada, quando então via todo o corpo delas. Eu tinha a impressão de que tais pessoas emergiam-se de dentro da terra, seja vagarosamente seja rapidamente, dependendo de sua velocidade. Em meu sonho, don Juan esperava por mim próximo da banca de queijo. Aproximei-me dele.

"Você conseguiu, a partir do seu silêncio interior," disse-me ele, batendo em minhas costas. "Você atingiu seu ponto crítico. Por um momento comecei a perder a esperança. Mas dei umas voltinhas por aí, pois sabia que você iria conseguir."

Nesse sonho, nós fomos dar umas voltas. Eu estava mais feliz que nunca. O sonho era tão vívido, tão terrivelmente real, que me deixou convencido, sem nenhuma dúvida de que resolvera meu problema, ainda que a solução fosse apenas uma fantasia, um sonho.

Don Juan riu, balançando a cabeça. Ele, claramente, lera meus pensamentos. "Você não está meramente sonhando," disse ele, "mas quem sou eu para dizer isso para você? Você, algum dia, irá saber disso por você mesmo – que não existe sonho a partir do silêncio interior – porque você irá escolher conhecer isso."


EL SILENCIO INTERNO, por Carlos Castaneda.


El conocimiento silencioso fue una faceta entera en la vida y actividades de los chamanes o brujos que vivieron en México en tiempos antiguos. De acuerdo con don Juan Matus, el maestro chamán que me introdujo al mundo cognoscitivo de los chamanes, el conocimiento silencioso era el resultado más codiciado por ellos, y lo buscaban a través de cada una de sus acciones y pensamientos.

Don Juan definió el conocimiento silencioso como un estado de la conciencia humana en el que todo lo que es pertinente al hombre es instantáneamente revelado, no a la mente o al intelecto, sino al ser total. Explicó que existe una banda de energía en el universo que los chamanes llaman la banda del hombre, y que dicha banda está presente en los seres humanos. Me aseguró que para los chamanes videntes, quienes ven directamente cómo fluye la energía en el universo, y que pueden ver al ser humano como un conglomerado de campos energéticos en forma de una esfera luminosa, la banda del hombre es un borde de luminosidad compacta que corta transversalmente la esfera luminosa en un ángulo de izquierda a derecha. La totalidad de la esfera luminosa es del tamaño de los brazos extendidos hacia los lados y hacia arriba y, en esa esfera luminosa, la banda del hombre mide quizá alrededor de treinta centímetros de ancho (largura). El conocimiento silencioso, explicó don Juan, es la interacción de energía dentro de esa banda, una interacción que es instantáneamente obvia para el chamán que ha logrado alcanzar el silencio interno. Don Juan dijo que el hombre común y corriente tiene una noción vaga de esta interacción energética. El hombre la intuye y trata de deducir su funcionamiento, de descubrir sus permutaciones. Por otro lado, un chamán recibe una descarga de la totalidad de esta interacción en cualquier momento en que la ejecución de esta interacción sea solicitada.

Don Juan me aseguró que el preludio al conocimiento silencioso es un estado de la percepción humana que los chamanes llaman el silencio interno, un estado libre de pensamientos y verbalizaciones silenciosas, al que los chamanes llaman el diálogo interno.

No importa cuánto se esforzó don Juan por hacerme comprender sus definiciones y explicaciones sobre el conocimiento silencioso, éstas permanecieron siempre oscuras, misteriosas, inescrutables. En su esfuerzo por aclarar aún más este punto, don Juan me dio una serie de ejemplos concretos del conocimiento silencio. El que más me gusto, debido a su alcance y a su pertinencia, es algo que el llamaba los lectores del infinito.

Los lectores del infinito es algo que suena como a una metáfora, pero es, más bien, una descripción fenomenológica que don Juan usaba para describir una condición perceptiva chamánica. Me dijo que esta condición chamánica concordaba con las metas y las expectativas del hombre de hoy en día, y que el hombre del siglo veinte es un lector que lee textos con una predilección especial. Tales textos pueden tener el formato de un libro, un escrito de computadora, un manual, literatura, descripciones técnicas, etcétera.

En su búsqueda continua por encontrar soluciones y respuestas a sus indagaciones, los chamanes del México antiguo descubrieron que cuando se alcanza el silencio interno, la conciencia del hombre puede dar fácilmente un salto a la percepción directa de la energía reflejada en cualquier horizonte dado. Ellos usaban el cielo como horizonte, así como las montañas o, en un espacio más reducido, las paredes de sus moradas. Eran capaces de ver energía reflejada en esos horizontes con si estuvieran viendo una película. Describieron concisamente este fenómeno, como la visualización de la energía con apariencia de un matiz - para ser precisos, un punto rojizo en el horizonte, color rojo granada. Lo llamaron el manchón de color granada.

Esos chamanes aseguraban que, en un momento dado, ese manchón de color granada explotaba y se convertía en imágenes que ellos veían como si estuvieran realmente viendo una película. Este logro perceptivo los convirtió en lo que ellos llamaron espectadores del infinito.

Don Juan creía que en mi caso era más apropiado considerar leer el infinito en lugar de verlo, ya que yo era dado a leer con misma pasión, sino es que con más, que lo que los chamanes del México antiguo eran dados a ver. Don Juan dejó perfectamente claro que ser un lector del infinito no quiere decir leer energía como si uno leyera un periódico, sino que las palabras se formulan con toda claridad a medida que uno las lee, como si una palabra llevara a otra, forrnando conceptos totales que se manifiestan y luego se desvanecen. El arte los charnanes es tener la habilidad de reunir y preservar estos conceptos antes de que se olviden al ser reemplazados con nuevas palabras, con los conceptos nuevos de un flujo de conciencia gráfica interminable.

Don Juan continuó explicando que los chamanes que vivieron en México en tiempos remotos, y que establecieron su linaje, fueron capaces de alcanzar el conocimiento silencioso después de haber entrado en su matriz: el silencio interno. Dijo que el silencio interno era un logro de tan tremenda importancia, que lo consideraban la condición esencial del chamanismo.

Don Juan puso tal énfasis en este silencio, que mi ambición era alcanzarlo. Quería llegar al silencio interno de inmediato. Sentía que no tenía un solo instante que perder. Cuando le pedí a don Juan que me diera una explicación concisa de los procedimientos a seguir, se rió de mi.

-Aventurarse en el mundo de los chamanes -dijo-, no es como aprender a manejar un automóvil. Uno necesita manuales e instrucciones para manejar un auto. Para alcanzar el silencio interno uno necesita intentarlo.

-Pero, ¿cómo puedo intentarlo? -insistí.

-La única manera en que puedes intentarlo es intentándolo - declaró.

Una de las cosas más difíciles de aceptar, para el hombre dc hoy en día, es la ausencia de procedimientos. En la actualidad, el ser humano parece estar bajo el poder de manuales, prácticas, métodos, pasos a seguir. EI hombre de hoy en día toma notas incesantemente, hace diagramas, está profundamente involucrado en "saber como". Pero en el mundo de los chamanes, dijo don Juan, los procedimientos y los rituales son meros instrumentos para atraer y enfocar la atención. Son artificios que se usan para forzar el enfoque de nuestro interés y determinación. No tienen ningún otro valor.

Don Juan creía que al hombre moderno le encantan las palabras, como si retuviese un sentimiento que ha sobrevivido hasta hoy de lo significativo que fue para él hablar por primera vez. Esto parece explicar su intenso énfasis en la palabra. Las encantaciones verbales parecen ser un retroceso a ese estado de enamoramiento con las palabras. Los chamanes creen que una larga serie de palabras, dichas en voz alta, debe haber ejercido un poder mesmérico.

Debido a la fuerza de sus prácticas y sus metas, los chamanes refutan el poder de la palabra. Se definen a sí mismos como navegantes en el mar de lo desconocido, Para ellos, la navegación es un hecho práctico, y navegar quiere decir moverse de un mundo a otro sin perder sobriedad, sin perder fuerza; y, para lograr realizar esta hazaña de navegación, no puede haber procedimientos o pasos a seguir, sino un solo acto abstracto que define todo: el acto de reforzar nuestro lazo con la fuerza que se extiende a través del universo, una fuerza que los chamanes llaman el intento. Debido a que estamos vivos y conscientes estamos de por sí, ya, íntimamente relacionados con el intento. Lo que necesitamos, de acuerdo con los chamanes, es hacer que ese lazo forme parte de nuestros actos conscientes, y ese acto de volvernos conscientes de nuestro lazo con el intento es otra forma de definir el conocimiento silencioso.

En el curso del tiempo que pasé con don Juan Matus aprendí, sin embargo, una cosa con relación a los procedimientos y los métodos. Si existe algo que los seres humanos necesitan para poder alcanzar El conocimiento silencioso, es reforzar su bienestar, su claridad, su determinación. Para poder intentar, uno debe poseer destreza física y mental y un espíritu claro.

De acuerdo con don Juan, los chamanes del México antiguo pusieron un enorme énfasis en la destreza física y el bienestar mental, y este mismo énfasis prevalece en los chamanes de hoy en día. Fui capaz de corroborar la verdad de sus aseveraciones al observar a don Juan y a sus quince compañeros chamanes. Su soberbio estado de balance físico y mental era uno de los rasgos más obvios en ellos.

La respuesta que don Juan me dio cuando le pregunte directamente por qué los chamanes ponen tanto énfasis en el lado físico del hombre, me sorprendió sobremanera. En aquellos años yo creía en el lado espiritual del hombre, un lado acerca de cuya existencia podía no estar completamente convencido, pero por lo menos, estaba inclinado a considerarlo como una posibilidad. Para mí, don Juan, era un ser espiritual.

-Los chamanes no son en absoluto espirituales -dijo -. Son seres sumamente prácticos. Sin embargo, es un hecho bien conocido que los chamanes, o los brujos, como les llaman, son generalmente considerados excéntricos o aun locos. quizá eso sea lo que te hace pensar que son espirituales. Parecen locos porque siempre están tratando de explicar cosas que son inexplicables. Al tratar de hacer esto pierden toda coherencia y dicen insensateces que, si se examinan desde el punto de vista de los chamanes, no son en absoluto insensateces, sino tentativas fútiles de dar explicaciones completas que no pueden completarse bajo ninguna circunstancia.

Don Juan me dijo que esos chamanes del México antiguo descubrieron y desarrollaron un gran número de procedimientos para alcanzar bienestar físico y mental, procedimientos que llamaron pases mágicos. También comentó que el efecto de los pases mágicos fue tan abrumador para ellos, que los pases se convirtieron, a través del tiempo, en uno de los componentes más importantes en sus vidas. Don Juan explicó que, dado como eran a comportamientos rituales, esos chamanes ocultaron rápidamente los pases mágicos en medio de ritos, y velaron el acto de enseñarlos o practicarlos en gran sigilo. Me aseguró que estos rituales eran totalmente absurdos, pero que cuanto más idiotas, más grande era su capacidad de ocultar algo de tan tremendo valor.

Cuando yo entré en el mundo de don Juan, la enseñanza y la práctica de los pases mágicos eran tan secretas como lo habían sido siempre, pero ya no eran en exceso rituales. Lo que don Juan comentó al respecto fue que los rituales habían perdido su ímpetu a medida que las nuevas generaciones de practicantes se interesaron más en la eficiencia y funcionalidad. Me recomendó, sin embargo, que no debía hablar sobre los pases mágicos con ninguno de sus discípulos, o con la gente en general, bajo ninguna circunstancia. La razón que me dio fue que los pases pertenecían exclusivamente a cada persona y que su efecto era tan avasallador, que sólo aquellos que habían tomado el camino del guerrero con verdadera seriedad podían practicarlos.

Don Juan me enseñó a mi y a sus tres discípulas, Taisha Abelar, Florinda Donner-Grau y Carol Tiggs, un gran número de pases mágicos pero, junto con esta riqueza de conocimiento, también nos dio la certeza de que éramos los últimos miembros de su linaje. la aceptación de este legado implicaba automáticamente encontrar nuevas formas de diseminar el conocimiento de su linaje, debido a que su continuación ya no era el objetivo.

Necesito aclarar un punto de suma importancia al respecto: don Juan Matus no se interesó jamás en enseñar su conocimiento. Él estaba interesado en perpetuar su linaje. Nosotros, sus cuatro discípulos, éramos los elementos, los medios -escogidos, dijo, por el espíritu mismo ya que él no había participado de manera activa en ello - que iban a asegurar su perpetuación. Por esta razón hizo esfuerzos titánicos para enseñarnos todo lo que sabía acerca del chamanismo, o la brujería, y acerca del desarrollo de su linaje.

En el curso de su enseñanza se dio cuenta de que mi configuración energética era, de acuerdo con él, tan diferente de la suya que eso no podía tener ningún otro significado excepto el fin de su línea. Le dije que me molestaba sobremanera su interpretación de cualquier diferencia invisible que pudiese existir entre nosotros. No me gustaba cargar con el peso de ser el último de su línea, ni tampoco comprendía su razonamiento.

-Aunque parece que los chamanes no hacen nada, más que tomar decisiones, en realidad no toman ninguna decisión -explicó-. Lo único que tienen son sus descubrimientos. Yo no decidí escogerte, y tampoco decidí que fueras de la manera que eres. Ya que yo no podía escoger a quién impartir mi conocimiento, tuve que aceptar a quien el espíritu me ofrecía; y esa persona fuiste tú, y tú eres energéticamente capaz sólo de terminar, no de continuar.

Dijo que la terminación de su linaje no tenía nada que ver con él o sus esfuerzos, o con su éxito o fracaso como un chaman en búsqueda de la libertad total. Lo comprendía como algo que tenía que ver con una elección que provenía de un nivel más allá del nivel humano, una elección que no fue tomada por seres o entidades, sino por las fuerzas impersonales del universo.

En un acuerdo unánime, las tres discípulas de don Juan y yo aceptamos lo que él llamó nuestro destino. El aceptarlo nos puso cara a cara con otro asunto al cual él se refería como cerrar la puerta detrás de nosotros; es decir, asumimos la responsabilidad de decidir exactamente qué hacer con todo lo que don Juan nos enseñó y de hacerlo impecablemente.

Antes que nada nos planteamos la pregunta crucial de qué hacer con los pases mágicos: la faceta más pragmática y funcional del conocimiento de don Juan. Decidimos usar los pases mágicos y enseñárselos a quien quisiera aprenderlos. Nuestra decisión de acabar con el sigilo que los rodeaba por un periodo de tiempo indeterminado fue, naturalmente, el corolario de nuestra convicción total de que, en realidad, somos el final del linaje de don Juan. Se volvió inconcebible para nosotros cargar con secretos que ni siquiera son nuestros. Encubrir los pases mágicos con secretos no fue nuestra decisión. Sin embargo, es nuestra decisión terminar con esa condición.

Nosotros cuatro nos dedicamos, entonces, a amalgamar las cuatro líneas diferentes de pases; pases que nos fueron enseñados a cada uno de nosotros separada e individualmente, de acuerdo con nuestra constitución física y mental particular. Tratamos de crear una forma genérica de cada movimiento, una forma adecuada para todos.

Esta amalgama dio como resultado una configuración de formas ligeramente modificadas de cada uno de los pases que nos enseñaron. Hemos llamado a esta nueva configuración Tensegridad, un término que pertenece a la arquitectura y significa "la propiedad de armazones que emplean miembros de tensión continua y miembros de compresión discontinua, de tal manera que cada miembro opera con máxima eficiencia y economía".

Para explicar qué son tos pases mágicos descubiertos por los chamanes de la antigüedad, como don Juan los llamaba, quisiera aclarar algo: los tiempos antiguos. Para don Juan esto significaba un tiempo de 7,000 a 10,000 años atrás; una cifra que parece en cierta forma incongruente si se examina desde el punto de vista de los esquemas clasificatorios de los eruditos de hoy en día. Cuando confronté a don Juan con la discrepancia entre sus cálculos y lo que yo consideraba ser un cálculo más realista, se mantuvo firme en su conviccion. Él creía que era un hecho, que la gente que vivió en el Nuevo Mundo de 7,000 a 10,000 años atrás, estaba profundamente interesada en asuntos del universo y de la percepción, asuntos que el hombre moderno no ha empezado ni siquiera a sondear.

Independientemente de nuestras diferentes opiniones, el sigilo que rodeó los pases mágicos durante eras y el efecto directo que éstos ejercieron sobre mí, han tenido una profunda influencia en la manera como los trato. Lo que estoy presentando en este trabajo es una reflexión intima de esta influencia. Me siento obligado a elucidar este tema siguiendo estrictamente la forma en que me fue presentado; para poder hacer esto, necesito regresar a los inicios de mi aprendizaje con don Juan Matus.

Comenzó haciendo comentarios sobre la habilidad física de lo chamanes de la antigüedad. Recalcó incesantemente la necesidad de poseer un cuerpo flexible, ágil; promovía su elasticidad y fuerza como el medio más seguro para alcanzar el mayor logro en la vida de un chamán: el conocimiento silencioso.

-La sensatez y la habilidad física eran las dos cosas más importantes en la vida de esos hombres y mujeres -reiteró en una ocasión-. La sobriedad y el pragmatismo son los dos únicos requisitos indispensables para alcanzar el conocimiento silencioso -para entrar en otros reinos de percepción. Para navegar de manera genuina en lo desconocido se necesita una actitud de osadía, pero no de descuido. Para establecer un balance entre la audacia y el descuido, un chaman tiene que ser extremadamente sobrio, cauteloso, hábil y estar en una soberbia condición física.

Don Juan decía que había cinco asuntos en la vida dc esos chamanes alrededor de los cuales giraba su búsqueda del conocimiento silencioso.

Estos cinco temas eran: 1. Los pases mágicos; 2. EI centro energético en el cuerpo humano llamado el centro de decisiones; 3. La recapitulación: el medio para acrecentar el alcance de la conciencia humana; 4. El ensueño: el verdadero arte de rornper los parámetros de la perecpción normal; 5. El silencio interno: el estado de la percepción humana desde el cual esos chamanes realizaban cada uno de sus logros perceptivos.

***

H.H.: Tu fuiste un monje budista por unos años... acechaste la posición de un monje budista... el silencio interno, puede resultar de esa disciplina también?

Taisha: Por supuesto que hay muchas técnicas de meditación y la meta de los monjes de cualquiera de estas técnicas es esa. Yo ya había hecho la recapitulación antes de ser un monje y así fui capaz de acechar estas posiciones... con eso no quiero decir que si practicas la meditación zen no llegarás a parar tu dialogó interno... hay muchas técnicas de meditación que apagan el diálogo interno. Pero eso no es suficiente... que eso lo quiero dejar claro... no es suficiente tenerlo quieto y tranquilo internamente... ¿qué pasa cuando vuelves a tu trabajo rodeado de gente y tu jefe enfurecido? o en tu casa con tus hijos que te están gritando... hace falta mantener ese silencio en medio de todo eso... de tener, silencio, ecuanimidad y resolución en cualquier situación... así que siempre nos lo mandaron de vuelta al mundo para comprobar y practicar el entrar en silencio... no sentado en posición en una cueva o algún lugar de meditación. He conversado con monjes tibetanos que han venido a L.A. y me han dicho que les es muy difícil el mantener su silencio y su ecuanimidad... y lo mismo pasó con los templos taoístas que se han convertido prácticamente en zonas turísticas que los monjes comentan que ahora, cuando el mundo ha entrado en sus dominios, han destruido algo de la paz y silencio que habían construido allí... pero los brujos dicen... no construyas tu silencio encima de una montaña sino adentro de tí mismo.


Sagrado Feminino: Kali.

Justamente hoje (08/03//2024) é interessante lembrar de um arquétipo do feminino que é fundamental, não só pela sincronicidade que está rola...